Acordei às 6:00 com os preparativos do David. Às 7:00 estava a caminhar, ainda de noite. Estava disposto a recuperar a distância até Carrión de los Condes. Sentia-me bem. Tinha recuperado do dia anterior, embora sentisse um pouco mais de cansaço. Como vim a aprender mais tarde, era normal quando no dia anterior se caminha um pouco mais além das nossas capacidades físicas. O David disse-me que o dia estava "nice and dry". O David também foi o peregrino que em Saint Jean Pied de Port, quando a Francesca estava decidida a voltar para trás para ir pela rota de Valcarlos, me disse que as nuvens estavam altas e que o tempo não estaria assim tão mau na rota de Napoleão. Certo. Ahhh nice and dry... vamos ver. Tinha trovejado e chovido a noite inteira. Tinha parado de manhã.
Uma Francesa, vestida toda de branco caminhava à minha frente. Iluminava o caminho. Cheguei ao Canal de Castilla que seguia até Frómista. O caminho tem sempre surpresas reservadas, tanto boas como más, escondidas em todos os locais e pessoas. Naquela manhã, vi o nascer do sol mais deslumbrante de sempre. Não consigo descrever. É impossível. Pensava que o nascer do sol, em todo o seu esplendor, se dava nos dias limpos e quentes. Como estava enganado. À minha frente o céu estava azul-escuro. Ocasionalmente, saltava dum azul de oceano profundo uma descarga de um raio. O sol, escondido atrás de mim, iluminava as nuvens dispersas nessa parte do céu com uma cor rósea. Essa cor fazia brilhar os castanhos e dourados da terra com uma cor de pintura. Fiquei maravilhado durante os 10 minutos que durou. Queria tirar fotos o tempo inteiro, mas sabia que nenhuma iria capturar aquele momento. Tirei apenas uma foto. Pela primeira vez lamentei seriamente não ter levado a minha reflex. Era um momento único que apenas poderia ser minimamente capturado pela sua cor. Ficou apenas capturado pelos meus olhos.
Apenas tirei esta fotografia no auge do nascer do sol, e ficou tremida. Serve para me recordar da tonalidade das cores pela amostra que ficou na fotografia.
Cheguei a Frómista. A entrada, por uma comporta, é linda. Alguma da cor do nascer do sol ainda permanecia, mas apenas uma pequena réstia daquilo que tinha presenciado atrás.
Começaram a cair uns pingos de chuva. Entrei num café para tomar o pequeno-almoço. Quando saí, chovia bastante. Retirei a capa da chuva, guardada desde Zubiri. Novamente a caminhar sob chuva. O percurso entre Frómista e Carrión de los Condes, é todo, sem excepção, ao longo da estrada nacional, com enormes rectas, ladeadas por marcos do Camino. Os espanhóis não chamam "camino" a esse tipo de percurso, chamando de "senda". Feito a só, a senda é monótona. Longas rectas sempre em cima de lama e pedras, sob chuva. Por vezes as botas ficavam pesadas com tanta lama agarrada a elas.
Em Revenga de Campos parei para um café solo. Não havia muitos peregrinos no Camino. Tinha começado de um ponto intermédio entre os pueblos mais frequentados para finalizar as etapas. Só via caras novas. Ocasionalmente uma familiar. Em Villarmentero de Campos parou de chover e o sol surgiu. Em Villalcázar de Sirga parei para descansar numa paragem de autocarros. Tirei o resto do pacote de amendoins do dia anterior e ofereci alguns ao peregrino que estava a descansar no banco ao meu lado. Começámos a conversar. Ele caminhava desde Oslo, na Noruega, desde Fevereiro. Mas o mais incrível é que estava a caminhar desde o início sem dinheiro nenhum. E chegando a Compostela, ainda queria ir até Fátima. Não sabia quando iria chegar. Nem queria saber quando iria chegar. Apenas sabia, com toda a certeza, que iria chegar. Aquilo era um pouco ao extremo para mim. E não o via com o espírito do Camino que via em outros peregrinos que também começavam a caminhar de longe. Havia algo de estranho nele. Falava de uma forma lenta e quase sem emoção. Começara a chover de novo. Disse-me que aquele tempo era "holidays" comparado com o resto da Europa. Disse-me que uma vez na Alemanha, tinha estado três dias agachado à beira de estrada, à espera que parasse de chover, pois não caminhava à chuva. Vesti novamente a minha capa da chuva e segui caminho. Dei-lhe o resto dos amendoins.
Era o troço final até Carrión de los Condes. A chuva, como que a querer provar alguma coisa que o alemão tinha dito, irrompeu de forma brutal. Em poucos segundos as calças ficaram coladas às pernas, encharcadas. Não conseguia distinguir se era chuva grossa ou granizo. Era forte, muito forte. O joelho direito começou a doer. Raios! Pensei que já me tinha livrado daquela dor. Em poucos minutos estava a coxear, sem nenhum sítio para me abrigar ou descansar. Só podia avançar lentamente. Tomei um Voltaren Rapid que em 15 a 20 minutos começou a fazer efeito. Deixei de coxear, embora a dor permanecesse, e caminhava lentamente. A chuva abrandou, e finalmente cheguei a Carrión de los Condes. Encontrei rapidamente um albergue. Algumas caras conhecidas. Uma espanhola disse-me que o albergue era muito bom quando me viu hesitar. Resolvi ficar ali. A maioria das caras eram novas. Estavam lá os italianos. O Miro chegou mais tarde. Alguns espanhóis familiares. Mais ninguém.
A cozinha do albergue só tinha microondas. Comprei uma lasanha e uma garrafa de vinho que tencionava dividi-la com quem quisesse. Numa cozinha de um albergue uma coisa que não existe é vinho a mais. Falei a noite toda com um casal escocês e um alemão. Foi uma noite bastante agradável. O alemão, da minha idade, parecia estar interessado em caminhar comigo no dia seguinte, mas não era isso que eu queria. Tentei identificar o porquê de não querer caminhar com ninguém. De início pensei que depois de perder a Viviane, que não queria caminhar com mais ninguém a tempo inteiro. Mas não era isso. No dia seguinte a etapa seria longa. Seriam mais 40km a caminhar, e eram raros os peregrinos que caminhavam tanto num só dia. Sabia que a maioria deles, naquele albergue, não os iriam fazer, se é que alguém os iria fazer. Não queria conhecer ninguém em demasiado em Carrión de los Condes. E realmente, no dia seguinte, veio a provar-se que tinha razão.
Acabei por beber praticamente toda a garrafa de vinho. Os escoceses já tinham bebido a deles e aceitaram só um copo. O alemão estava só determinado em beber cervejas de meio litro. Fiquei muito alegre. Falava com todos hehe.
Deitei-me às 22:00. O dia seguinte iria ser longo.
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