sábado, 13 de outubro de 2007

Dia 4: Pamplona - Puente la Reina

Deixei o albergue às 7:00, ainda de noite, atravessando a cidade de Pamplona. No dia anterior, um peregrino Inglês que conhecera em Zubiri, na farmácia, muito preocupado porque deixara de sentir um músculo da perna, dissera-me que ao chegar a Pamplona seguira uma série de setas na cidade que o levaram para a ponta oposta ao dos albergues. Nas grandes cidades, havia quem se divertisse a colocar indicações erradas para os peregrinos. De facto, vi algumas no dia anterior, e muitas mais nessa manhã, mas já estava avisado sobre elas.

Pamplona de madrugada

Segui com duas peregrinas, uma de Praga e outra da Nova Zelândia. Na saída de Pamplona perguntaram-me se queria tomar o pequeno-almoço num café que se encontrava aberto àquela hora. Recusei, pois com as dores no joelho, caminhava lento e não podia parar. As dores no joelho estavam-me a tornar um pouco anti-social. Não queria atrasar ninguém. Não queria pressões para caminhar mais rápido. Não conseguia acompanhar ninguém. Decidia por caminhar só. Tinha que melhorar nos próximos dias. A maioria dos peregrinos caminhavam só. Via muitos grupos a formarem-se e a desfazerem-se. Falava com muita gente ao longo do caminho. Acho que falava com todos os que seguissem um pouco o meu passo. Ao chegar a um albergue, constatava que uma enormidade de peregrinos perguntavam-me como estavam "las rodillas", os joelhos, e muitos nem me lembrava deles.

Paragem em Cizur Menor para um 'café solo'

Neste dia receava muito a descida do Monte do Perdão. O declive no meu mapa era enorme. É engraçado a inexperiência de quem não caminha. Antes do caminho, olhava para um nível de declives do percurso e não me dizia quase nada. Não tinha a sensibilidade para determinar o quanto difícil iria ser. Não tinha a sensibilidade para determinar a dificuldade perante a temperatura e o sol, se iriam existir sombras, e qual a sua importância. De facto, antes do Camino, o que me assustava mais eram as subidas.

Peregrinos pela manhã

Neste dia, a subida para o Monte do Perdão era o que mais me agradava no percurso. O único problema das subidas, é que inevitavelmente, terá que existir uma descida. Sim, o problema de todos eram as descidas. Quando olhávamos para as inclinações da etapa do dia seguinte, tremia-mos com a constatação de uma descida acentuada. Quando os joelhos ainda estão inflamados, com uma mochila pesada a acrescentar peso ao corpo, cada passo a descer é doloroso.

Alto del Perdón, lá ao fundo

Na subida para o Monte do Perdão conheci a Heineken. Achei curioso viajar apenas com uma mochila normal, daquelas de escola, e meti conversa com ela. Tinha nome Holandês, nascera na Nova Zelândia e estava a trabalhar em Londres. Tinha começado a caminhar nesse dia, desde Pamplona, e iria caminhar apenas por 5 dias, por "desporto". No albergue em Pamplona nem a queriam deixar ficar, pois não era uma "peregrina como deve ser", sem saco de cama e sem o equipamento habitual dos restantes peregrinos. Mas ali estava ela. Iria falar com ela bastantes vezes até Estella, onde nunca mais a vi.

Subida para o Alto del Perdón

O Alto do Perdão, a 750 metros de altitude, tem uma vista fabulosa para este, por onde se chega, e para oeste, por onde continua o Camino. Consegue-se ver Puente la Reina bem ao longe, o 4º pueblo, passando por Uterga, Muruzábal e Obanos.

Alto del Perdón, virado para este. Uma vista explêndida de tudo à volta.

Alto del Perdón, virado para oeste, com Puente la Reina bem ao longe.

A descida não foi tão perigosa como pensava. Não depois da descida a pique de 500 metros dos Pirinéus. De facto, as pedras que compõem a maior parte da descida, tornam-na num enorme desafio, mas... ao lado dessas pedras existem sempre trilhos de terra batida por onde todos passavam. No entanto, devido à sua inclinação, arruinou-me por completo os joelhos. A dor aumentou rivalizando com o que sentira em Zubiri.

Descida do Alto del Perdón

Os últimos quilómetros até Puente la Reina foram uma enorme conquista. Falhei por completo o desvio para a Ermita de Santa María de Eunate. A Li tinha-me indicado que seria pecado não a visitar. Mais tarde, no albergue, Michelle, um Francês torturou-me com a descrição da sua visita à ermita.

A caminho de Uterga

Uma das muitas marcas do Camino

No entanto, consegui chegar a Puente la Reina! Depois de chegar ao albergue, verifiquei que muitos dos que encontrava pelo Camino, sem problemas aparentes ao caminhar, chegavam muito depois de mim. Horas até! Com o meu medo de me atrasar, praticamente não fazia pausas. Decidi que iria levar todo o tempo que quisesse para ver e visitar tudo no Camino. O tempo não seria problema. Nem que chegasse já de noite. No dia seguinte iria reverter essa tendência. Agora vejo que aos poucos, em cada dia, quase como que aprendendo, estava a delinear o meu comportamento como peregrino no Camino.

Albergue de los PP Reparadores em Puente la Reina

Nos dias seguintes, uma italiana encontrava-se com enormes dores numa das pernas, e consequentemente, imensas dificuldades a caminhar. Caminhava lento, muito lento, sempre com a cabeça baixa. Passávamos rapidamente por ela várias vezes no mesmo dia. Por vezes, alguns ficavam surpreendidos por ela chegar primeiro ao albergue. Eu compreendia. Caminhava lentamente, mas não parava. Nunca. Não fazia pausas. Não parava em nenhum café. Não visitava nenhum ponto do Camino. Sempre a caminhar, muito lentamente. Ao fim de mais uns dias, já todos aprendiam que a forma de chegar mais rápido não era a de caminhar mais rápido, mas sim a de não fazer pausas.

Percorri a rua que liga o albergue à ponte medieval, onde reencontrava imensos peregrinos que me cumprimentavam e falavam sempre comigo. Uma constatação que fiz mais tarde, foi de que quando se está em grupo, nem que sejam apenas duas pessoas, torna-se mais difícil conhecer pessoas do que quando se está só. Todos sentem muito mais facilidade em estabelecer contacto e conversa com alguém que está só no Camino.

Puente la Reina, junto ao rio Arga

Encontrei a Heineken que estava num albergue com piscina. Com piscina?! Os albergues estavam-se a tornar muito turísticos. De facto, alguns dias depois também fiquei num com piscina. Mas a ideia de mergulhar numa piscina de água fria depois de um dia de caminhar, dava-me a sensação de que todos os músculos do meu corpo iriam fazer "TZUINNNGGGG". Em Belorado, fiz com que David, um Inglês, voltasse para trás ao lhe contar isto, quando se preparava para ir dar um mergulho hehe.

Calle Mayor de Puente la Reina.

Quando caminhava para o pôr-do-sol na ponte, os joelhos deixaram de doer totalmente, por breves minutos. Estava quase! Continuava a contar os dias de Miro, e este lembrava-me sempre todos os dias ao esticar os dedos da sua mão numa contagem dos dias que passavam. No final do dia, os músculos das pernas queixaram-se todos. Os ombros também. Finalmente a dor dos joelhos estava a diminuir de modo a que desse conta das restantes.

Ponte medieval de Puente la Reina

Ao actualizar o diário à noite, antes das luzes se apagarem, escrevi "amanhã, vou fazer o caminho com tempo".

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