sábado, 13 de outubro de 2007

Dia 3: Zubiri - Pamplona

Depois de ver os mapas, vi que a inclinação do percurso não era muito acentuada. Talvez conseguisse chegar até Larrasoaña e ainda fazer o Camino até Pamplona. Os joelhos ainda doíam. Não conseguia dizer se menos ou com a mesma intensidade do dia anterior. Não podia parar. Não sabia se iria conseguir andar 6km sequer. Mas parar seria um grande golpe psicológico para mim. Aguentava com a dor. Como um escocês me disse "Pain?! Oh we can handle that". Haviam coisas piores. Ser obrigado a parar ou até mesmo a desistir era uma delas.

Cada descida era um enorme desafio. Numa dessas descidas, formada por uma escada de terra batida e tábuas de madeira, em que demorei 15 minutos a descer, com muito custo e aparente dificuldade, conheci Miro Villamor, um espanhol de Zamora, de cabelos encaracolados despenteados e barba branca que mostravam os seus 61 anos, voz grossa e profunda, sempre bem disposto, enorme com os seus 120 quilos e calçando botas de tamanho 49. Miro disse-me para contar 3 dias. Ao 3º dia, já não teria aquelas dores. Garantiu-me por experiência própria. Muita experiência, sublinhou. Na altura não sabia nada sobre Miro, de quem me viria a despedir em Finisterra com um enorme abraço. De facto, Miro já fizera o Camino 9 vezes. Aquele era o seu 10º Camino. Era, o que espanhóis chamavam, um "trovador del Camino". Sempre acompanhado pelas suas duas canas, os seus instrumentos musicais inseparáveis presos ao seu bastão, deliciava todos os peregrinos e espectadores incautos com as suas músicas do Camino, compostas por si. Dois dias atrás, em Roncesvalles, perante uma audiência de um albergue completo, já com todos nos beliches, deliciou-nos com uma das suas composições mais famosas, que mereceu o aplauso de todos. Miro alegrava qualquer noite num albergue ou qualquer pausa no Camino, num café ou à sombra de uma árvore. Disse-me que já não fazia o Camino por espiritualidade. Desta vez, era pela comida, bebida e convívio. Ahh, o lado profano do Camino. Conhecia todos os hospitaleiros "fixos" do Camino. Tinha amigos em todos os 'pueblos'. Cedia sempre a sua cama num albergue quando este já estava cheio, indo dormir para o chão ou para o relento. Muito há por dizer sobre Miro.

José à esquerda e Miro à direita, em Finisterra, no melhor pôr-do-sol do mundo. Estavamos ainda muito longe desse dia.

Nunca vi uma concentração tão grande de cavalos como de Zubiri até Larrasoaña. Até mesmo no meio do Camino. Passava entre eles. Os potros ficavam curiosos com a minha passagem. Quando falava com eles, faziam gestos tímidos de quererem aproximar-se. Alguns enfiavam a cabeça no lombo das suas mães. Quando cheguei a Larrasoaña, vi que iria conseguir.

Muuuuuuuu...

Em Larrasoaña o Camino continuava por fora do 'pueblo', mas decidi entrar para conhecer o meu objectivo frustrado do dia anterior. Encontrei um agrupamento de peregrinos entre os quais se encontravam duas alemãs que conhecera no albergue em Zubiri. Disseram-me que chegara mesmo a tempo para o autocarro. O quê?! É certo que cada um tem o seu Camino, mas aquilo era algo que não conseguia compreender. Nos dias seguintes fui tomando conhecimento das imensas formas de "batota" da peregrinação. Muitos faziam percursos de autocarro, ou apenas parte parcial dele. Outros chamavam um táxi a meio da etapa. Existia uma rede de transporte de mochilas para satisfazer aqueles que gostavam de caminhar leves. De início fiquei desiludido, mas com o tempo passei a olhar para essas pessoas não como peregrinos, mas como algo diferente. De facto, existia o termo "turigrino" pelo Camino, um termo depreciativo para se referir a turistas no Camino e não a peregrinos que juraram fazer cada centímetro do Camino a pé, aconteça o que acontecer.

Larrasoaña

Finalmente parara de chover. O céu estava azul e o sol brilhava. Estava tudo verde. O cheiro da manhã era animador. Estavam 20º, um dia perfeito para caminhar.

Escadas como esta eram um autêntico desafio

O percurso até Burlada fez-se com imensas dificuldades nas descidas. Reencontrei Francesca que também estava com enormes dores na perna. Também estava a tomar Voltarem e mostrou-me a ligadura que tinha no joelho direito. Notava-se que estava com dores. Caminhávamos os dois lentamente. Eu e a Francesca tínhamos um enorme problema de comunicação. Ela apenas falava italiano. Eu não falava italiano. Comunicávamos num "espaliano" que frustrava em muito a minha vontade de falar mais ou exprimir pensamentos mais complexos.

Camino

O mesmo campo, depois de subir um pouco. As subidas eram fáceis.

Quando cheguei a Burlada parei num café para descansar um pouco. O dono do café disse-me que faltavam 5km até Pamplona. Ia conseguir! Francesca já não conseguia andar mais. Ficou ali.

Entrada de Burlada

O percurso seria todo por dentro da cidade. Foi fácil! Nem dei por entrar em Pamplona. Só quando vi no guia que a entrada era pela ponte de la Magdalena, atrás de mim, é que soube que já me encontrava na cidade.

Puente de la Magdalena sobre o rio Arga

Tentei encontrar o albergue pelo mapa, mas não consegui. Segui então dois peregrinos espanhóis. Ainda demorou um pouco até me aperceber que estavam a fazer o roteiro turístico pela cidade antes de irem para o albergue. Bolas! Uma lição que se aprendia rapidamente no Camino era o de nunca seguir cegamente outros peregrinos.

Seguindo os peregrinos Espanhóis lá ao fundo...

Perguntei onde ficava o albergue. Indicaram-me que existia um totalmente novo, mesmo no centro do "casco antiguo" da cidade, que ainda não surgia nos guias do Camino. Fui até lá. Situava-se no seminário episcopal, um edifício de 1782, totalmente remodelado por dentro e recuperado por fora. Que albergue! Muito acolhedor, com condições fenomenais.

Entrada do albergue em Pamplona

Estava muito feliz por ter conseguido chegar até Pamplona. No dia anterior não poderia estar mais desanimado. Mas naquele momento, sentia que iria conseguir. Não teria que parar. Apetecia-me sorrir o tempo inteiro.

Ruas de Pamplona. Antes das 16:30, obviamente!

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