No dia anterior, pela primeira vez, tinha caminhado sem qualquer tipo de dor pela manhã inteira. O joelho esquerdo já não me doía. Mas passado uns 12km começava a acusar dor. É difícil explicar o que é isto do "caminhar sem dor", pois existe sempre qualquer coisa. Existe sempre uma sensação latente de algo. No final das etapas o corpo dói sempre mais do que durante, ao caminhar. Mas melhorava de dia para dia. A resistência do corpo era sempre maior a cada dia que passava, o limite para caminhar sem dor ia sempre aumentando, e a velocidade a que podíamos caminhar sem consequências era também sempre maior. Era boa a sensação de nos sentirmos mais fortes.
Mas... como fui aprendendo ao longo do Camino, nunca desejava por uma situação melhor. Quando tinha uma dor localizada há vários dias, ficava satisfeito. Não pela dor, mas porque tinha apenas aquela dor. Essa dor obrigava-me a moderar os passos e a velocidade. Sabia que podia estar bem pior. Se aquela dor passasse, havia uma probabilidade bastante grande de surgir uma outra bem pior num outro sítio qualquer. Neste dia aconteceu. Um tendão na região do pé e tornozelo começou a doer de manhã. À tarde a dor era enorme. Continuava a tomar Voltarem.
As piores lesões que via durante o caminho eram de peregrinos em óptimas condições físicas. Quase todos desportistas, mas infelizmente, pouco habituados a caminhar. Quando alguém se sente fisicamente apto para o que der e vier, principalmente para uma coisa "fácil" como caminhar, tende a caminhar muito por dia, e rápido. Encontrava muitos peregrinos que também tinham partido de Saint Jean Pied de Port, dias depois de mim, e já se encontravam ali, ao meu lado. Deixava de os ver... por uns dias. Até que os apanhava, a coxear ou a recuperarem numa cidade por alguns dias, parados. As lesões eram quase sempre relacionadas com tendões. Muitos deles de ruptura mesmo, mas a grande maioria de inflamações graves. Praticar um desporto, mesmo que seja um de grande esforço, é bastante diferente do que caminhar durante vários dias, com uma mochila, sem pausas. Não há recuperação. Não há um dia para os músculos e tendões recuperarem do esforço. Num dia caminha-se 30km, no outro 20, 40, 25, 35, 40, 27, 34, 37, 40, 20, 24, 26, 34, 40, 32, 28, ... estão a perceber a ideia.
Acordámos às 6:30, já um pouco tarde. A Viviane quis beber um café com leite no café ao lado do albergue, e à saída, quase que paralisámos. Estava o Luís. Felizmente o Luís finalmente tinha-se apercebido da situação. A partir daí, só o cumprimentávamos à distância.
Chegámos a Grañon onde bebi o café solo. A fama do albergue de Grañon era grande pelos peregrinos, e houve alguns que decidiram ficar por ali mesmo, caminhado apenas 7km nesse dia. Na altura ainda não me fazia sentido caminhar tão pouco num dia. Ainda tinha a ideia de etapas muito bem definidas no Camino. Se o fizer novamente, irei com uma visão bem diferente das etapas a percorrer.
Entre Grañon e Redecilla del Camino passámos a fronteira de La Rioja para Castilla y León. Em Redecilla del Camino queríamos ver a famosa pia baptismal da igreja Virgen de la Calle, mas esta tinha sido removida e encontrava-se temporariamente numa exposição em Ponferrada.
Em Viloria de Rioja parámos para almoçar e demos praticamente toda a nossa comida a um cão com olhos de pedinte. Os cães dos cafés ao longo do Camino são muuuito espertos. Sabem que cada peregrino que passa é um potencial sinal de refeição. Até os gatos!
Antes de chegarmos a Belorado, um carro parou ao nosso lado para nos dar um cartão. Era bastante comum ao longo do caminho. O cartão publicitário era de um novo albergue privado à entrada de Belorado. Continha, como sempre, o preço, fotografias, e uma descrição tentadora para quem já caminhara muito nesse dia. Passámos pelo albergue com a sua piscina enorme quando chegámos a Belorado. Decidimos ir para o último albergue de Belorado, o dos "Cuatro Cantones". Foi uma excelente escolha. As condições eram excelentes, jardim com esplanada, piscina, varanda no quarto. Quase parecia um hotel. Faltava-lhe um pouco daquela "tradição" que procurava sempre nos albergues. Mas tínhamos passado pelo albergue paroquial, e pareceu-me que não perdíamos muito em o passar por esta vez.
Enquanto a Viviane ficou actualizar os últimos seis dias do seu diário, fui conhecer um pouco de Belorado. Belorado é a cidade com a maior concentração de bares na parte velha da cidade que tínhamos encontrado até à data. Nada que se compare a León ou até mesmo a Astorga, como mais tarde constatei. Após caminhar um pouco, encontrei a placa que apontava para as ruínas do castelo, por trás do albergue paroquial. Estava de chinelos e a subida é bastante inclinada. Temia mais a descida do que a subida, e tinha que avaliar sempre se iria conseguir descer com os chinelos. Cheguei apenas até à base das pedras do castelo. Não iria arriscar mais sem as botas. A vista sobre a cidade é fenomenal! Consegue-se ver toda a cidade e os campos circundantes até onde a vista alcança. Como sempre, as fotos não fazem justiça nenhuma.
Jantámos no albergue. Durante o jantar conversámos imenso com o dono do albergue, Nicolás. Era mais um dono de albergue "convertido" pelos peregrinos brasileiros. Quando chegámos, vimos a bandeira do Brasil pendurada no lado de fora do albergue. No interior, imensas fotos do "Caminho do Sol" no Brasil, em que Nicolás participou. Encontrei mais do que um albergue em que o seu dono ficava amigo de peregrinos brasileiros e ia visitar o Brasil, participando inevitavelmente no Caminho do Sol, um dos muitos caminhos mais conhecidos que se pode fazer no Brasil.
Mais tarde, a Viviane ainda pediu uma massagem que era dada no albergue. Deitámo-nos às 22:00.
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