sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Dia 8: Logroño - Nájera

A azáfama familiar das 6:00 da manhã no albergue. Despertei com o barulho e abri os olhos. Era hora de acordar. Ao descer as escadas do segundo piso, já preparado com a mochila às costas, disse adeus à Viviane. Ela respondeu com outro adeus. Compreendeu. Ainda me perguntou se ia beber café lá fora. Segui em frente. Só bebia café na primeira localidade situada fora de onde saía.

Logroño é enorme. A parte histórica da cidade, que era onde sempre ficávamos nas cidades, situava-se num dos extremos, por onde entrámos. Atravessei todo o resto da cidade à noite. A travessia transforma-se numa caça ao tesouro, sempre à procura do próximo símbolo do Camino. Uma seta amarela que pode estar em qualquer sítio. No chão, numa parede, numa árvore, num poste. Uma vieira de metal na calçada. Uma representação de uma vieira amarela sob fundo azul numa parede. Mosaicos no chão ou na parede. Qualquer indicação do caminho a seguir. Infelizmente, uma grande porção das ruas estavam cortadas pela polícia. Tinha havido a denúncia de um carro armadilhado pela ETA e o aparato policial nas ruas era de meter respeito. Ninguém gostava das grandes cidades. Finalmente saí de Logroño, aliviado por deixar a cidade para trás.

Nascer do sol à saída de Logroño

O sol nasceu com Logroño no meio. É um privilégio poder ver todos os dias o nascer do sol. Primeiro o céu passa de negro para azul-escuro. Corre todas as tonalidades do azul-escuro. Começa a ficar púrpura no horizonte à nossa frente, e amarelo por trás de nós. As cores mudam de minuto para minuto. Nasce então, vermelho e enorme. Damos por isso quando a luz reflectida na nossa pele se torna vermelha. O verde e o castanho que nos cerca ganha cores douradas e únicas. É realmente a hora mágica.

Foi nessa altura, num parque, em que vários habitantes de Logroño faziam as suas corridas matinais, que oiço alguém a "correr" atrás de mim. Era David, o peregrino mais veloz de todo o Camino. Os seus amigos franceses deram-lhe a alcunha de "TGV". Assentava-lhe que nem uma luva. David não corria. Era o passo dele. Rápido! Existiam peregrinos rápidos, mas o David era... bem, o TGV! Era Britânico, alto, muito magro, nos seus 50 ou 60 anos. Acompanhou-me por um pouco, mas tive que lhe dizer que não o conseguia acompanhar. Eu e o David tínhamos uma apontaria para acertar sempre nos mesmos locais e albergues. Víamo-nos sempre em todas as etapas, mesmo quando perdi de vista quase todos e comecei a saltar as "linhas temporais" no Camino. Estava sempre lá. Chegámos a acabar no mesmo dia em Santiago de Compostela.

David em Nájera, em frente ao albergue

À saída de Logroño, já fora da cidade, somos brindados com o Pântano de la Grajera e um pinhal, ambos fantásticos.

Pântano de la Grajera

Com a melhora dos joelhos, caminhava rápido. Ia no grupo da frente. Sentia-me bem. De facto, com as etapas "longas" de 27km, e um passo mais rápido, surgiram as primeiras bolhas nos pés. Nada de preocupante, junto ao calcanhar, pois nunca chegaram a doer. Apenas surgiram porque não espalhava vaselina naquele local, pois de início não sabia bem onde poderiam surgir bolhas. A partir daí, comecei a espalhar.

Navarrete ao longe

Cheguei a Navarrete bastante cedo. Comi um croissant com o meu café solo matinal. O único do dia. O Luís e a Viviane estavam muito para trás.

Navarrete. Mochilas no meio da rua é a sinalização no Camino para um café aberto.

Os últimos quilómetros para Nájera custaram como sempre. São sempre os últimos. Apesar de já estar perto, não cometi o erro de Los Arcos e parei para almoçar e descansar. Sentia-me cada dia mais forte e vencer os declives no caminho já era praticamente insignificante.

Pausa para o almoço


No foto parecem pedras espalhadas. Mas cada pedra forma uma série de imensas torres.

Quando cheguei a Nájera, o albergue ainda não estava aberto. Apenas abria às 2:00. Tivémos que esperar. Foi a única vez que isso sucedeu no Camino. Tinha caminhado bem rápido nesse dia. Tinha-me adiantado e vencido a hora do calor. A temperatura continuava a aumentar de dia para dia. O meu bronzeado de peregrino via-se no escuro!

Albergue fechado

Ao longo do Camino fui deixando várias coisas nos albergues, nas prateleiras de "Peregrino, deixa o que não precisares e leva o que necessites". Em Pamplona, para além das polainas que só ocupavam espaço, e depois de apanhar os dias de chuva, deixei também o protector solar. Grande erro. Podia ter comprado outro, mas fui sempre adiando.

Peregrinos a descansar na relva em frente ao albergue, à beira-rio

Depois do albergue abrir, caminhei um pouco em Nájera para fazer compras e para a tradicional caña na esplanada. O John, passou por mim todo satisfeito com uma toalha e um pedaço de papel na mão. Os peregrinos tinham direito a um bilhete gratuito para entrar nas piscinas que se situavam do outro lado do rio. Dirigia-se para lá. Continuava a olhar para as piscinas com algum desconforto devido aos músculos doridos.

Nájera

À medida que falava com os peregrinos que chegavam, notava que aqueles mais fechados, provavelmente devido aos seus países ou cidades frias no contacto entre as pessoas, iam-se abrindo e começavam a falar mais e a confraternizar com outros.

Ao regressar ao albergue, reparei que a Viviane estava deitada no beliche. Fui ter com ela. Queria conversar a sós para lhe explicar o porquê de não caminhar com ela. Tinha um ar abatido. Pensei até que estaria doente, ou que tinha sucedido algo. E tinha: o Luís. A Viviane já estava a desesperar com o Luís. Nem imaginava. Nesse dia tentara livrar-se dele dizendo que ficava em Navarrete. Mas o Luís disse que também ficava! Disse então que queria caminhar só. Precisou de lhe dizer três vezes que queria caminhar só para ele a deixar. Mas passados 2km alcançou-a novamente e não a largou. Já estava a pensar em apanhar um autocarro para estar um dia ou dois à frente dele, ou planear partir de manhã às 5:00, bem cedo, antes dele. Aquilo já era demais. Eu já tinha decidido expulsar com o Luís do meu Camino. A Viviane não conseguia ser bruta. O Luís tinha uma coisa que abonava a seu favor. Era boa pessoa. Gostava de ajudar. Tudo o resto eram defeitos, mas aquilo era o suficiente para a Viviane ter as dificuldades que estava a ter para se libertar dele. Mas eu não tinha essas dificuldades, e decidi que já era mesmo demais. Sem dizer uma palavra, decidimos os dois afastar o Luís do nosso Camino. Fomos beber uns copos para uma outra esplanada.

O quê? Mais uma caña? Ali? Ok!

No dia anterior tinha pensado bastante sobre o assunto do Luís. Era algo que poderia acontecer fora do Camino, e aí, a minha tendência é para "deixar andar". Se não gosto da presença de uma pessoa, principalmente quando parece que essa pessoa suga as nossas energias, a minha atitude é geralmente de inacção, esperando apenas essa pessoa ir-se embora. Quando essa situação surgiu no Camino, com o Luís, foi diferente. O Camino é curto. Não é uma coisa que se faz quando se quer. É visto como algo único. Algo desejado. Algo comum a todos, mas que cada um tem o seu Camino, e este é sagrado e inviolável. E não há o "faz-se amanhã" ou o "deixa andar". Não! Tinha que resolver a situação JÁ, na hora! Não podia passar mais um dia. Isso obriga a pensar em soluções que no dia a dia são adiadas por uma rotina da nossa maneira de ser. Não decidi ignorar e afastar-me do Luís de um modo trivial e frio.

Ofereci jantar no albergue à Viviane, mas estava a faltar um elemento muito importante: vino! Fomos comprar vinho. Foi então que me apercebi que ao entrar em Logroño, no dia anterior, tinha abandonado Navarra e entrado na região de La Rioja. Já tinha lido que o vinho da La Rioja era bom. O homem da loja que nos vendeu o vinho deu uma palestra de como era um vinho MUITO bom. Comprámos uma garrafa de 2.4€, a pensar que era um vinhozito... ainda me lembro de ter encontrado a mesma garrafa na Galiza a 14€. O vinho era realmente bom. Muito bom! A partir daí, sempre que encontrava um vinho mais ranhoso, comprava sempre no dia seguinte uma garrafa da região da La Rioja. Era qualidade garantida.

O jantar no albergue foi muito agradável. Oferecíamos vinho, e todos ofereciam vinho em troca. O Luís surgia de vez em quando, mas não ficava na mesa. Mas duvidávamos se ele realmente tinha percebido a ideia.

Uns minutos antes das 22:00, quando fumava um cigarro no lado de fora do albergue e quando uma espanhola, também encantada com o vinho da La Rioja, me contava como os Portugueses eram demasiado fechados, mas para não me preocupar porque as espanholas eram brutais, veio o hospitaleiro indicar que eram quase 22:00 e tinha que fechar as portas. Num albergue municipal?! Foi a primeira vez que vi aquilo. E a única também. Havia a hora de apagar as luzes, mas quem quisesse, poderia chegar mais tarde e deitar-se às horas que entendesse. Um pouco contrariado, fui para dentro. No dia a dia, durmo muito pouco. Uma média de 5 a 6 horas por dia. Durante todo o caminho custou-me dormir as 8 horas por noite, mas tentava obrigar-me a isso. O corpo necessitava mesmo de descansar aquelas horas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é Rui as cañas também fizeram parte do nosso caminho...sem cañas é que não se passa. O meu blog ainda está no começo, mas vai lá dar uma espreitadela.
Ultreya
Isabel