segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Dia 5: Puente la Reina - Estella

Comecei a caminhar às 7:00. Começava a apreciar bastante os amanheceres, à medida que o tempo melhorando de dia para dia. Principalmente o nascer do sol. É algo de magnífico começar a caminhar ainda de noite, ver o dia a clarear e o sol nascer. A terra começa a libertar o seu cheiro para o ar. As cores são incríveis. É como se o sol se desse realmente a conhecer antes de se esconder por trás de uma máscara brilhante e inacessível.

A câmara que levei não consegue nem de longe capturar as cores do amanhecer

Ah pois é! Uma subida.

O pueblo de Cirauqui é magnífico. A maioria fez aí uma pausa para o seu segundo pequeno-almoço. Era quase um hábito generalizado. O primeiro pequeno-almoço no albergue. Geralmente sempre algo que se comprara no dia anterior. O segundo pequeno-almoço, ou o primeiro café do dia, no primeiro ou segundo pueblo do Camino. Para mim, era sempre o primeiro e único "café solo" do dia no primeiro pueblo que encontrasse. Por vezes "o primeiro" poderia significar ter que andar 12km até lá.

Cirauqui ao longe

Paragem no pueblo seguinte, Lorca. Estava a cumprir o que determinei no dia anterior. Parava nos pueblos. Em Lorca parei perto de uma fonte em que alguns peregrinos retiravam as botas e meias e mergulhavam os pés na água fria. Grande erro para as bolhas.

Jardim de Lorca

Sentei-me num banco para comer algo. Conversei com a peregrina ao meu lado. Tinha-a visto pela primeira vez depois de Cirauqui, poucos quilómetros atrás. Tinha um ar exótico que não me deixava identificar o seu país de origem.

- ¿De dónde es?
- Portugal. ¿Y tu?
- Brasil.

Era a Viviane, e a partir daí, a minha companheira de Camino. Desde o início do Camino ainda não tinha encontrado nenhum Português. De facto, o único Português que encontrei foi já depois de Santiago de Compostela, no Caminho de Finisterra, e três peregrinos em Vigo, que regressavam do Caminho Português. Mas achava um pouco estranho ainda não ter encontrado Brasileiros. Eles estão sempre em número considerável no Camino. Tinha bastante facilidade em compreender Espanhol, e desenrascava-me bastante bem com Portunhol, tentando sempre aperfeiçoá-lo para um Espanhol correcto. Sentia-me completamente à vontade a falar Inglês. Desenrascava-me um pouco com o Francês. Conseguia comunicar com a Francesca em hmmm... Italiano, se é que se pode chamar alguma língua àquilo. Mas não sei se foi devido a falarmos a mesma língua, sentimos uma afinidade quase imediata. Caminhámos juntos.

Viviane em Estella

A Viviane mora em Olinda, no Brasil, uma cidade perto de Recife. Tem 34 anos e é jornalista. Tinha ouvido falar do Camino há uns 10 anos atrás num livro sobre alguém que fizera o Camino num tempo em que raramente se viam peregrinos (não, não é o Diário de um Mago, pois essa já o li). Finalmente decidira fazer o Camino. Não dissera nada a ninguém até ao último momento e disse ao namorado que queria fazê-lo sozinha. Tinha cometido um erro de início. Tinha umas botas amaciadas, mas não as usara durante quatro meses. No primeiro dia as botas magoaram-lhe tanto que abriu uma caixa postal em Santiago de Compostela e mandou as botas para lá. Ainda chegou a comprar uns ténis, mas acabou por fazer o caminho todo com sandálias! Cada pé de Viviane batia recordes em bolhas. Logo, caminhava lenta como eu. Conseguia acompanhá-la.

Um engano quase fatal. As sombras acolhedoras dos enormes montes de feno, juntamente com um trilho gasto no chão, levaram-nos para lá, para descansar à sombra, mas... não! É pela direita.

Chegámos ao albergue em Estella. Música reggae animava o hall de entrada. Como já vinha a ser hábito, fiquei no último andar do albergue, para "exercitar" os joelhos... ai. Dias mais tarde, ao ver alguém todo estafado juntamente comigo na fila para o registo, já gozava com a situação "olha, vamos ficar num 3o andar, e a casa de banho vai estar no rés-do-chão".

Fomos conhecer Estella. Era algo que nunca deixava de fazer. Após caminhar durante toda a etapa, ainda havia muito mais que andar de modo a conhecer o pueblo onde ficávamos. Não sem antes beber a tradicional caña, obrigatória no final da etapa. Parece que andámos quase tanto em Estella como no início do dia, desde Puente la Reina. Andámos de um lado para o outro, visitando os seus pontos mais importantes. As igrejas de Estella parecem-se como castelos. Em sítios altos e imponentes, situados na parte histórica da cidade. Construções medievais romanas e góticas.

Igreja de San Pedro de la Rúa. Uma das muitas igrejas imponentes de Estella.

Claustro da mesma igreja. É obrigatório a sua visita.

As suas ruas, como já vinha a ser hábito em Espanha, desertas até às 16:30, ficam a fervilhar de pessoas por todo o lado a partir dessa hora. A Viviane era uma companhia muito agradável. O facto de falarmos a mesma língua dava para tagarelarmos por tudo e por nada. Com uma companhia no camino, toda a rotina, se é que isso existe, se transforma completamente.

Estella

Cada vez mais as caras do Camino eram mais familiares, e em cada dia que passava, conhecíamos um pouco mais sobre essas pessoas. Alguns ficavam para trás. Outros tinham ficado para trás e eram apanhados por nós. Outros caminhavam demasiado num dia e apenas os víamos uma vez. Era definitivamente o único Português. Haviam imensos Alemães, Franceses, Italianos e Espanhóis. Imensos mesmo. Outros do Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Holanda, Áustria, Suiça, Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido, Coreia do Sul, Japão, Argentina, Roménia, Noruega, Républica Checa e Finlândia. Apenas menciono aqueles com quem eu falei e perguntei o seu país de origem. Sabíamos que haviam cinco Brasileiros no Camino a um dia atrás e pelo menos dois outros Brasileiros a um dia à frente. Eu e a Viviane éramos os únicos peregrinos de língua Portuguesa naquela linha temporal do Camino.

Nessa noite, o Miro e a sua cana, juntamente com um amigo seu, habitante local, também munido da sua flauta, proporcionaram entretenimento genuíno à porta do albergue, na "Calle".

Agrupamento à volta dos 'trovadores'

Uma dupla inesperada

Perto das 22:00, na eminência das luzes se apagarem, voltámos todos para dentro. Era um ritual que raramente alguém não cumpria.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mal posso esperar pelo próximo dia! :)
Naif