quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Dia 21: Astorga - Rabanal del Camino

Num quarto só com quatro peregrinos, não dei pelo burburinho da manhã, pelo que acordei tarde, às 6:40. Saí do albergue já perto das 8:00. Entrei na Eremita Ecce-Homo. Estes locais são sempre uma ratoeira para donativos. Têm uma mesa onde se encontra uma pessoa que carimba as credenciais com o carimbo daquele local. Deixei algumas moedas, como deixava sempre. Felizmente não estava muito apertado com o dinheiro, como via em muitos dos peregrinos mais jovens.

Ermita del Ecce-Homo

Ao caminhar pela manhã, um pensamento começou a tomar forma, e desse pensamento uma inquietação e logo depois a busca por uma resposta. É difícil de explicar como surgem essas coisas no Camino. Comecei a pensar que não poderia caminhar mais em medo. O medo de voltar a suceder o mesmo que em San Juan de Ortega e Sahagún. Descobri que no fundo, caminhava com esse medo, escondido, mas sempre presente. Pensei que era algo que não poderia controlar na altura, se me voltasse a suceder de novo, mas era algo que poderia controlar antes, para o evitar. Tão simples. Estava-me a suceder no Camino o mesmo da vida do dia a dia. Tinha que prevenir e não deixar escalar para aquilo que temia, sem nada fazer. Só tinha que aprender como. Mas no Camino, já o tinha aprendido. O sol nasceu. O renascer de um novo dia. O renascer de uma nova vida. Agora compreendia. O Camino tentava ensinar-me isso há dias. Ouvia o ruído, mas não ouvia o som, claro e distinto. Era agora tudo tão claro. Tinha feito tudo para estar naquele local, naquela situação. Não tinha nada a conter-me. Nada a prender-me. Ninguém. Nenhuma coisa que me obrigasse a viver aquele dia como o anterior. Podia viver uma nova vida em cada dia. Seria um novo dia, isolado dos anteriores. Sem preocupações. Algo tão difícil no dia a dia. E também tão difícil de o fazer quando o podemos. À medida que o sol nascia, sentia os seus raios a aquecerem-me a pele e o interior do corpo. Podia fazer imenso calor. Podia chover torrencialmente. Iria adaptar-me. Não me doía nenhuma parte do corpo. Sentia-me forte. Caminhava bem. Caminhei em frente sorrindo. Caminhava feliz.

Nascer do sol a caminho de Murias de Rechivaldo

Cheguei a Murias de Rechivaldo onde entrei no albergue. Bebi um café solo no pátio interior. O albergue pareceu-me ser impecável! Uma excelente escapatória para quem não gosta da agitação habitual das cidades, como Astorga. O hospitaleiro sempre muito simpático com todos os peregrinos que entrava.

Albergue de Murias de Rechivaldo

Sem nenhuma excepção, todos os pueblos desde Murias de Rechivaldo até Molinaseca, fazem desejar passar lá o dia, ficando no albergue. Sem excepção! Ainda não sabia, mas estava a iniciar a travessia dos Montes de León, onde se revela um dos percursos mais belos de todo o Camino Francês, com paisagens e pueblos de cortar a respiração. Inicia-se também aqui novamente o percurso fora da estrada. Finalmente!

Início da subida para os Montes de León

É tradição colocar uma pedra em cima de cada marco do Camino. Cada pedra, um problema que fica para trás, ou simplesmente a presença da passagem de um peregrino. Mas este ganha o prémio paciência!

Cheguei rapidamente a Santa Catalina de Somoza. Parei no segundo café com esplanada do pueblo, tal como recomendado pelo pai do dono do café, que se encontrava na entrada do pueblo a vender bastões, conchas e outros objectos relacionados com o Camino.

Santa Catalina de Somoza

O caminho para El ganso custou um pouco devido à falta de sombra das árvores. Toda a etapa do dia foi muito agradável. Novamente a paisagem mudava para grandes vales e montes verdes. A travessia do deserto de Castilla tinha terminado. Estava nos montes de León. Em El Ganso parei novamente num bar. Bebi uma coca-cola e descansei um pouco, apesar de não me sentir cansado. Queria apenas parar em cada pueblo e apreciá-lo um pouco.

El Ganso

A caminho do Rabanal, parei para comer debaixo de umas árvores. A poucos quilómetros de chegar, o Camino sobre um pouco, vendo-se o Rabanal del Camino lá no alto. A subida faz-se escalando um trilho de rochas e terra batida, por entre árvores cerradas. Finalmente, a entrada de Rabanal del Camino. Encantador!

Rabanal del Camino

No entanto, cometi um erro. Não olhei para o guia, para me informar de quais os albergues que existiam. Fiquei logo no primeiro, que é algo que nunca se deve fazer. Um albergue privado, ainda por cima. O dono convenceu-me a ficar dizendo que no municipal era só menos 1€ do que ali, e ali tinham melhores condições. Não foi pelo dinheiro. Foi mais pela comodidade. Depois, quando entrei nos restantes albergues, incluindo o municipal, verifiquei que eram espectaculares! Com enormes pátios e jardins. Não fiquei muito chateado, porque podíamos sempre estar nos restantes albergues, sem dormir lá, é claro.

Albergue municipal

Albergue Nuestra Señora del Pilar

Um deles tinha um bar ao longo do pátio, com mesas e cadeiras. Fui lá duas vezes durante a tarde. A primeira, para comer algo. Pedi "macarrones", um prato comum em toda a Espanha como primeiro prato de um almoço ou jantar, onde me deram uma travessa enorme que dava à vontade para umas três ou quatro pessoas! Por vezes as doses eram exageradas.

Macarrones

No mesmo albergue onde fiquei, vi pela primeira vez três jovens alemãs que viajavam em grupo. A Julia ("Rulia"), Marie e Angela ("Gaeli"). Não as conheci nesse dia. No entanto, iria conhecê-las individualmente e sem dar por isso, influenciar directamente o Camino delas. Conheci também a Ana, uma brasileira que viajava com a sua mãe. Estava admirado por ver tão poucos brasileiros no camino. Eram apenas os 7º e 8º brasileiros que conhecia no Camino. Tinha a noção de que haviam bastantes brasileiros no Camino, no entanto, eram dos menos numerosos.

Não sei o que se passou nessa noite, mas todos se deitaram ás 21:00. Eu já achava que deitar-me às 22:00 era cedo demais. Seria prática comum dos peregrinos que preferiam os albergues privados?! Ainda estive acordado até às 22:00, primeiro na rua, a conversar com um ou outro peregrino deambulando por lá, e depois já na cama, onde a Gaeli me perguntou se já podia apagar as luzes. Tinha que ser. No dia seguinte, tinha uma grande escalada pela manhã. Queria sair bem cedo.

1 comentário:

Anónimo disse...

É encantador "viajar" contigo. Gostaria de ter visto mais fotos dos jardins dos outros albergues..

Um forte abraço.