Acordei tarde, às 6:30. Quando saí do albergue, às 7:30, o Italiano ainda dormia. Aquele tipo dormia muito! O percurso continuava pelo lado da estrada até Hospital de Órbigo. Eram aproximadamente 10km até lá, e tencionava fazê-los sem parar durante a manhã, sem o sol alto.
O dia começou cinzento, feio mesmo. O sol nasceu escondido. Em San Martín del Camino entrei no albergue. As mesas do pequeno-almoço estavam vazias ainda por levantar. Ninguém. Já todos tinham partido. O albergue pareceu-me simpático. À saída de San Martín, não sei porquê, o Caminho faz uma incursão por dentro de um terreno, numa curva em "U", quando se poderia ir em frente, sem sair da estrada. Não estava à espera do que iria encontrar nesse pequeno troço do Caminho. Parecia quase que o Caminho me iria ensinar aí algo.
Sempre que ouvia algum corvo desde San Juan de Ortega, desde que quase tombei após ter ouvido um deles a gritar, que ouvia os seus sons como irritantes, e... bem, como sinais de mau presságio. Bastante idiota, eu sei, mas desde aí olhava para os corvos como indesejados e dizia mentalmente "Vai-te embora. Aqui não vai acontecer nada". E sempre que pensava nisso, eles calavam-se. Não acreditava seriamente nisso, e já o fazia sem dar por isso. É como uma daquelas coisas de bater três vezes na madeira. Comecei a detestar aqueles pássaros. Ouvia ocasionalmente um ou outro, praticamente todos os dias. Então e quando se encontra mais de uma centena de corvos aglomerados em duas árvores? O barulho era ensurdecedor e assustador. Olhei com medo para a primeira árvore infestada de corvos, por onde teria de passar por baixo. Se o grito de um corvo era sinal de mau agoiro, então aquilo era sinal de morte instantânea, de certeza! Apercebi-me do ridículo. Parei um pouco e olhei novamente para os corvos. Faziam voos organizados de uma árvore para outra. Os seus gritos, às dezenas em simultâneo, já não me pareciam horríveis. Eram negros e até... belos. Sorri e continuei. Fiz as pazes com os corvos nessa pequena parte do Caminho.
Cheguei à enorme e magnífica Puente de Órbigo. No outro extremo da ponte existe um "rest bar". Entrei para o segundo pequeno-almoço e um café solo. Fiquei quase uma hora! Os seus sofás são quase pecaminosos para um peregrino. Tem uma vista panorâmica sobre a ponte e fiquei a descansar, afundado nos enormes sofás enquanto procurava por algum peregrino conhecido que passava lá fora. Era naquele local que o Caminho que se dividiu no dia anterior se iria reunir de novo. Ninguém. Segui caminho.
Em Santibáñez de Valdeiglesias parei num café para um bocadillo. Os brasileiros surgiram pouco depois. Conversava sempre um pouco com eles. As três mulheres do grupo tinham o hábito de cantarem durante o Camino. Sempre muito bem dispostos. Acompanhámos os passos uns dos outros até um pouco antes da Arca do Pino, no penúltimo dia para Compostela.
O dia estava insuportavelmente quente. Caminhar ao sol era uma tarefa árdua. Transpirava por todos os lados, mas a experiência no Camino sob aquelas condições já se começava a fazer sentir. Já conseguia ouvir melhor os sinais do corpo, saber quando aproveitar as sombras para descansar e não deixar passar certos níveis de cansaço. Quando uma nuvem cobria por momentos o sol, era como se as energias fossem renovadas, caminhava mais rápido e o cansaço praticamente desaparecia.
Após muitas paragens debaixo de árvores, cheguei ao Crucero de S. Toribio. Astorga via-se à distância, lá em baixo, mas ainda faltava um pouco. Fiz a descida por San Justo de la Vega e mais tarde a subida para Astorga, quase que a escalar as ruas da entrada na cidade para chegar ao topo.
Fiquei no albergue "Siervas de Maria". As condições eram excelentes. Fiquei num quarto com apenas quatro camas. Por baixo de mim encontrava-se um alemão que já ali estava há dois dias, a recuperar de uma lesão no joelho. Fiquei maravilhado com as traseiras do albergue. Possui um terraço com mesas e cadeiras com uma vista fabulosa para este, por onde entrámos.
Após comer qualquer coisa, subi para o beliche para arrumar a mochila. Foi quando ouvi uma voz no corredor, mesmo do lado de fora da minha porta fechada. Era uma voz de uma mulher Portuguesa! Desci do beliche, abri a porta, e... nada. Já tinha desaparecido. Tinha apanhado a Portuguesa que estava três dias à minha frente em Estella. Nunca cheguei a conhecê-la. Dias mais tarde, o Miro disse-me que a conheceu, e que já estava um ou dois dias atrás de nós.
Após comer qualquer coisa, subi para o beliche para arrumar a mochila. Foi quando ouvi uma voz no corredor, mesmo do lado de fora da minha porta fechada. Era uma voz de uma mulher Portuguesa! Desci do beliche, abri a porta, e... nada. Já tinha desaparecido. Tinha apanhado a Portuguesa que estava três dias à minha frente em Estella. Nunca cheguei a conhecê-la. Dias mais tarde, o Miro disse-me que a conheceu, e que já estava um ou dois dias atrás de nós.
Fui conhecer a cidade. Astorga é realmente magnífica! Muitos peregrinos planeiam ficar ali por dois dias. Percorri toda a parte histórica da cidade, até à catedral. Não sei que tradição há com o chocolate em Astorga, mas existem imensas lojas com chocolate de todos os sabores, cores e tamanhos. Existe até um museu do chocolate!
Museu do chocolate, a entrada a abarrotar.
Encontrei o Italiano no supermercado. Ficámos na conversa até à hora de jantar numa das praças de Astorga. Aqui e ali, sempre algum peregrino que já começava a reconhecer. A Francesca continuava a acompanhar os meus passos juntamente com outra italiana que também só falava italiano. Não encorajava muito a comunicação.
À noite, no terraço do albergue, olhava para todos os que ali se encontravam, e pensava com um pouco de tristeza em como nunca tinha visto nenhum deles antes, em como tinha perdido novamente todos. Recordando-me das caras que ali se encontravam, recordo-me deles hoje com um sorriso, pois mais tarde, ao longo do caminho, conheci cada um deles. A Ana e a mãe, os romenos, os dois espanhóis hippies, os austríacos, os alemães. Todos.
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