segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Dia 19: León - Villadangos del Páramo

Acordei às 6:30, pela primeira vez cansado por não ter dormido bem. A etapa seria curta. Não sei porquê, continuava a dizer ao Diego que o sítio para onde ia nesse dia tinha um nome grande que nunca me recordava. Isto porque lia no guia o nome "Villadangos del Páramo o Villar de Mazarife". Via o nome e nunca chegava ao "o", o equivalente ao "ou" Português, nem tão pouco estranhava o facto de haver um pueblo com um nome enorme com aquele. Também não reparei no mapa que o Camino se dividia em dois, um para cada destino, apenas se juntando novamente no dia seguinte. Foi um dos dias que me senti mais cansado, e apenas queria chegar cedo ao final da etapa para poder descansar a tarde inteira. Estava a precisar.

Fui pelo caminho, que se tivesse reparado, seria automaticamente excluído. Todo o caminho se efectuava ao lado da estrada nacional, ao contrário do que iria para Villar de Mazarife. Quando me apercebi disso, fiquei um pouco chateado comigo mesmo, pela enorme distracção.

No dia anterior esqueci-me de apresentar o Diego. Aqui está ele, com o Espanhol por trás, dias mais tarde no albergue de Ribadiso.

A saída de León foi longa, com o caminho pela cidade muito mal sinalizado. De início segui as vieiras em bronze, cravadas no chão, até à catedral. Aí, as marcas acabaram. Perguntei pela direcção do Camino a várias pessoas que já se dirigiam para o seu local de trabalho, mas ninguém parecia saber. Já seria de esperar nas grandes cidades. Encontrei uma freira. Ela sabia! Guiou-me a mim e a mais dois peregrinos perdidos na direcção certa. Saindo da parte histórica da cidade, ainda atravessámos uma imensa parte de León. O sol nasceu quando me encontrava ainda dentro da cidade.

Saída de León. Os parentes ricos dos Hobbits!

Existem peregrinos que não sei como sobreviveram tanto tempo no Camino. Só falam a própria língua, mas o mais grave de tudo é que nunca respondem ao chamamento de "Peregrino!". E dentro desses, aqueles poucos que olham, ignoram completamente aqueles que o chamam, continuando pelo caminho... errado. Passado uma ou duas horas, passam novamente por nós com os seus passos apressados, com os seus dois bastões 'clicando' rapidamente no chão, e novamente com as palas nos olhos, alheios a tudo no Camino, olhando apenas para o objectivo do dia. Era frequente, e chateava-me um pouco quando tentava comunicar com algum deles.

Parei em Virgen del Camino para um café solo numa esplanada. O sol brilhava e aquecia a manhã. Encontrei pela primeira vez o peregrino alemão com a Bierke, a cadela peregrina, com a sua própria mochila. Linda! Caminhavam desde a Alemanha, da porta de casa, já há dois meses. De modo a proporcionar sempre um lugar para a Bierke dormir, o Alemão viajava com uma canadiana às costas, que montava não só quando proibiam a Bierke de ficar no albergue, como também quando pediam uma quantia mais elevada para poderem ficar no albergue. No final de cada etapa, quando o dono retirava a mochila das costas de Bierke, era ver a felicidade e maluquice canina à solta, a saltar de um lado para o outro e a esfregar as costas em tudo o que fosse chão fofo.

Bierke e o seu dono

Virgen del Camino

Quando saí de Virgen del Camino, não reparei na bifurcação do Camino e segui pela direita. Passei rapidamente por dois pueblos. O caminho para Villadangos foi longo e escaldante. Sempre com o barulho constante dos carros ao lado. Quilómetros antes do pueblo, uma infindável fila de hotéis, restaurantes, clubes nocturnos e bombas de gasolina. Finalmente Villadangos. O albergue situa-se logo na entrada, junto à estrada. Já estava farto da estrada. No entanto, possui umas instalações formidáveis. Na entrada encontrava-se um papel deixado pela hospitaleira, em que indicava que nos podíamos instalar que apenas iria regressar às 17:30. O albergue, embora quase vazio na altura, encheu praticamente na totalidade mais tarde.

Albergue de Villadangos del Páramo. O Espanhol, Diego, Ana, Flor, e um peregrino espanhol de t-shirt verde que conheci em Zubiri e nunca mais o vi a partir deste dia.

Sentia que ainda não estava recuperado na totalidade. Fui almoçar a uma "bodega", à Bodega del Valle. Era uma adega típica transformada em restaurante, que pelo que o Espanhol me contou, têm uma boa fama por aqueles lados de terem boa comida. Foi a melhor refeição que tive até à data no Camino! Pão caseiro cozido em forno de lenha, um peixe frito em alho com um sabor incrível, vinho bom da casa, mousse de limão caseira e uma cafeteira de metal na mesa com café à descrição. Foi uma refeição magnífica, e dei a conhecer isso às duas "chicas" que operavam o restaurante sozinhas.

Villadangos del Páramo

A tarde passou rápido. As tardes de ócio nos albergues, na conversa, servem sempre para recuperarmos forças. O Diego encontrou mais três sul-coreanos, um peregrino e duas peregrinas. Na altura pensava que era uma coincidência incrível, encontrarem-se todos, logo ali, mas mais tarde vim a conhecer muitos mais sul-coreanos e a saber o porquê de haver tantos no Camino.

Jantei com um Alemão no albergue que caminhava já há 40 dias, desde Lurdes. Já tinha ganho uma resistência enorme, e caminhava sempre no mínimo 40km por dia. Conheci ainda um Italiano muito bem disposto, de que não me recordo do nome, que me iria acompanhar até Finisterra. Até que poderia acompanhar-me ao caminhar, não fosse o facto de ele ter o hábito de acordar sempre, no mínimo, apenas às 7:30 todos os dias.

Acordei novamente de noite com dores no calcanhar esquerdo. Lembrei-me das palavras do alemão ao jantar, na sequência de uma conversa sobre beber água "To go to the bathroom at night. One time is good. More is bad. Less is bad". Era verdade. Todos se "queixavam" que no Camino tinham que ir sempre à casa de banho de noite. Fui à casa de banho, coisa que custava sempre mais quando se estava na parte de cima do beliche. Voltei a adormecer, acordando só na manhã seguinte.

3 comentários:

Anónimo disse...

Continuo atenta a todos os teus posts. O "bichinho" para fazer "O Camino" aumenta...

M. disse...

Li no Der Spiegel que ha uma "invasao" de Alemaes no Caminho, o que parece verdade porque vc menciona muitos deles...
Que os pes se enchem terrivelmente de bolhas e por essa razao ou outras, 85 % dos peregrinos nao conseguem terminar o percurso...
Que o Caminho esta tao saturado, que se o numero de peregrinos continuar aumentando, o Caminho vai perder a "magia"... Verdade?!

Rui disse...

Sofia,
Só estou à espera do dia em que me digas que vais partir para o Caminho ;)

Mar,
Sim, existe uma certa "invasão" de alemães no Caminho. Existem bastantes. Quando estive no Camino, eram dos mais numerosos, chegando por vezes a encher pueblos inteiros. No entanto, parecem todos alemães vistos de "fora", mas quando os conheces, chegas à conclusão que muitos são Suiços, Austríacos e Belgas. São quatro países que são metidos no mesmo saco, o dos "Alemães". Mas mesmo assim, a resposta continua a ser sim, são muitos!

Quanto às bolhas nos pés, apenas quem está mal equipado ou mal informado desiste devido a esse problema. Por vezes via coisas que até metia a mão à cabeça, como tomar banho de manhã, calçar meias de algodão normais, andar todo o dia calçado e com meias, ou fazerem o caminho com calçado normal. Quando alguém se queixava das bolhas ao Miro, ele perguntava muito espantado "Mas... não metes vaselina nos pés?!! Então!!!". Ele até tem uma música do Camino que mete na letra a vaselina lá pelo meio!

Não sei qual é a percentagem de peregrinos que não consegue terminar o caminho, mas penso que não seja assim tão elevada, mesmo entre os alemães. Se tiverem em conta aqueles que não conseguem fazer todo o Caminho a pé, então acredito que seja essa a percentagem. Entre os Alemães, era comum e normal fazerem percursos de transporte. Andavam seis ou dez quilómetro e depois apanhavam um autocarro ou táxi.

Quanto ao caminho estar saturado, julgo que nos meses de verão o esteja, e nem quero imaginar como será no próximo ano Jacobeu. Mas penso que temos que definir "saturação". Se é em termos de infra-estruturas para o peregrino ao longo do camino, nomeadamente a lotação nos albergues, então quando fiz o Camino, estava nesse limite, ultrapassando-o por vezes.

Agora a questão fundamental, que é o de o caminho perder a sua magia. É parte perspectiva e parte realidade. Na perspectiva daqueles que fizeram o caminho no passado, com muito menos pessoas, por aquilo que já li e ouvi, a resposta da maioria é de que o caminho tem vindo a perder a sua magia. O caminho está diferente do Caminho que eles fizeram. Um aumento de pessoas no caminho faz aumentar a proliferação de albergues privados e os negócios no caminho. Os peregrinos são cada vez mais vistos como uma fonte de rendimentos. O caminho é cada vez mais turístico. Os turigrinos são cada vez em maior número e correspondem às espectativas do negócio. Existem redes de transportes de mochilas. Cheguei até a ver grupos com guias! Tudo isso mata um pouco da tradição. Li num artigo exposto na parede de um albergue que neste ano de 2007, um ano não-Jacobeu, espera-se bater o recorde de 100000 peregrinos no Camino. Número que tende a subir de ano para ano. Muitos preferem o Caminho do Norte ou a Via de la Plata para escaparem às multidões no Camino. Por um lado é bom que o Caminho Francês esteja perto da lotação total, se isso levar à povoação dos restantes Caminhos.