quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Dia 29: Palas de Rei - Ribadiso

Apesar de ter imensas dificuldades em adormecer nas inúmeras vezes que acordava de noite, levantei-me às 7:00. Penso que saí às 7:40. No dia anterior não tinha comprado nada para comer no Camino. Era domingo e apenas uma pastelaria estava aberta. Parei no albergue de San Xulián para um café solo.

Milheiro típico da Galiza. Muitos, muitos, mesmo muitos espalhados por toda a Galiza.

Muitos peregrinos tinham preferido ficar ali. Foi quando conheci Andrew, um australiano, ao lhe interpretar Inglês para Espanhol. Andrew estava com bastantes dores num tendão no pé. Já andava assim há alguns dias, e receava que tivesse rompido o tendão. Traduzi o pedido dele para o hospitaleiro, e conseguiu boleia juntamente com as mochilas de alguns peregrinos até Ribadiso.

Saída de San Xulián

Segui até Leboreiro onde tomei o pequeno-almoço. Um bocadillo gigante de queijo fresco! Aquilo era mesmo exagerado. A Marie e a Angela chegaram pouco depois e sentaram-se na minha mesa. Caminhámos juntos até Ribadiso. Já me tinha esquecido de quanto diferente era caminhar acompanhado em toda a etapa, e não apenas em troços da etapa. Falámos durante todo o tempo, praticamente sem pausas. Havia muito para falar. Durante todo o Camino, senti uma dificuldade imensa em estabelecer alguma espécie de contacto caloroso com os peregrinos alemães. Com a Marie, Angela e Julia sucedeu o mesmo. Demorou dias para quebrar aquela barreira invisível que existia sempre no meio.

Camino

Camino

Quando chegámos a Melide, a Julia telefonou-lhes. Pela descrição da Julia, muito entusiasmada, a dizer que estava a ver Santiago ao longe, deduzi que estivesse no Monte do Gozo. Estava às portas de Santiago.

Vista de Melide da ponte

A caminho de Ribadiso. Peregrinos espanhóis de bicicleta. De dia para dia era cada vez mais raro encontrar peregrinos de bicicleta.

Sempre a conversar, o Camino é bastante diferente. Agora podia ver bem a diferença. O tempo passou num instante. Parece que não me cansei tanto. Naquele dia senti que já podia deixar de caminhar a só. Quase como sentir que o Camino já não me iria dar mais nada por o fazer a só. Já tinha conseguido bastante.

Sem dar por isso, estava em Ribadiso. Não existe ali um pueblo chamado Ribadiso. De facto, existem três Ribadisos. Ribadiso de Baixo, Ribadiso de Riba e Ribadiso de Carretera. O albergue fica no primeiro, em Ribadiso de Baixo. E que albergue! É realmente magnífico. Um dos melhores de todo o Camino, senão o melhor.

Marie a atravessar a ponte com vista para um dos edifícios do albergue de Ribadiso

Um riacho atravessa o albergue, criando uma pequena praia fluvial. O Miro finalmente apanhou-me novamente. Já não o via desde Ledigos, na etapa de Sahagún, há muitos dias atrás. Fiquei muito contente por o ter reencontrado. Teve a honra de inaugurar o dia balnear... logo a seguir às vacas.

Miro prepara-se para o mergulho sob o olhar divertido da Marie e Angela

Estava calor, e até era tentador, mas... acho que não o suficiente.

Muuuu, para o delírio da perra peregrina Bierke

Muuuu, muuuuu, muuuu e muuuu. Ah, e mais muuuu. De onde é que elas apareceram?! Sozinhas!

As construções das casas eram de pedra. O albergue fora outrora o antigo hospital de peregrinos de Ribadiso, agora totalmente recuperado desde as suas fundições, para ser o albergue municipal.

Entrada do albergue de Ribadiso

Houve uma imensa confusão inicialmente. O hospitaleiro tinha saído, e o Espanhol estava a desenrascar os registos. Não tardou muito para se acumularem cerca de 20 peregrinos sem cama para dormir. No entanto, havia ainda camas numa outra casa por abrir. Fui o tradutor oficial para aquela gente toda. Pelos vistos, era o único que ali estava que falava Inglês e percebia Castelhano.

A Ema chegou tarde e já não conseguiu lugar no albergue. Ficou em Arzúa, uns 4 km à frente, mas à noite voltou de táxi para jantar no restaurante ao lado do albergue. Mesmo ao lado, pegado ao albergue.

Bar e restaurante ao lado do albergue

O Diego também estava por lá, com o seu grupo já enorme de sul-coreanos, juntamente com o seu companheiro inseparável de Camino, o Espanhol. No dia seguinte iriam ficar em Santa Irene. Avisei-os sobre o sítio, pois a Julia tinha telefonado à Marie a contar de um albergue sem nada à volta, em que tinha chegado tarde e cansada, e se não fosse um peregrino a ir ao pueblo mais próximo comprar-lhe algo para comer, tinha jantado chocolate! Mas... o Diego disse-me que a Flor não gostava de andar muito. É uma das particularidades de fazer o Camino em grupo. Lembrou-me de Hornillos del Camino.

Vista para os balneáreos do albergue. À direita, movimento típico de dor nos joelhos de um peregrino a levantar-se de uma cadeira.

Jantei com a Marie e a Angela, e ainda ficámos na conversa com a Gordana e uma australiana de faces muito rosadas que nunca me lembrava do nome.

Estava a dois dias de Santiago de Compostela. Mas no fundo, não sentia por Compostela o que os outros sentiam. Para os restantes era mais do que um objectivo. Era a meta a atingir, e o final do Camino. Não havia nada mais para além de Santiago. Para mim, ainda havia uma imensidão de caminho, até ao oceano, até Finisterra. Aí sim, seria o meu objectivo final, o final do meu Camino. Para além de Finisterra não existia nada mais. Autenticamente o meu Fim da Terra.

2 comentários:

Lia Ribas disse...

Voltei, querido Rui. Deixa-me só dizer-te que aqueles milheiros que abundam nas terras da Galiza, também os há em terras do Norte de Portugal, no Minho. Na aldeia da minha avó damos um pontapé numa pedra e aparece um. O nome que lhes dão as gentes da aldeia é, salvo erro, "canastra".

Só para dizer que voltei!

Abraços e sorrisos.

Li

Rui disse...

Li! Eh bom ler-te de novo ;)

Tenho que responder por um teclado sem cedilha ou acentos. Estou em trabalho na Romenia, e o portatil que me deram aqui nao tem nada disso.

Tambem suspeitei que houvesse milheiros com fartura no Minho, pois alguem me disse, ao ver algumas fotos, que certos aspectos da Galiza eram muito parecidos com o Minho, como por exemplo os muros de pedra a delimitar os terrenos. Mas nunca fui ao minho...

Ja tive no teu blog. Gostei do teu regresso!

Um beijo e abraco da Transilvania, a 9 graus negativos e com neve... brrrr.

So quando voltar, em Marco eh que posso finalmente terminar o blog.