Acordei às 7:00. Tão tarde! Devia de estar a precisar de dormir. Saí às 8:00. Apesar de tudo, foi muito bom ter acordado tarde, pois não queria perder a subida de O Cebreiro devido à escuridão da noite. Isso era algo que não entendia em alguns peregrinos, aqueles que acordavam às 4:00 ou 5:00 e saíam com as lanternas na cabeça, de modo a não apanharem o calor do dia no caminho, e também de modo a conseguir sempre um lugar no albergue para onde apontavam. Mas perdiam a beleza da paisagem naquelas preciosas horas que caminhavam de noite.
O início da escalada foi igual ao do dia anterior. Uma árdua subida. Mas logo após duas curvas pelo monte, a inclinação já não é tão severa, tornando-se mais fácil. No entanto, as árvores ladeando o caminho acabam. Árvores que o meu guia indicava existir quase até ao Cebreiro. Se fosse confiar cegamente no guia, estava tramado. Fiz bem em terminar a etapa do dia anterior em La Faba.
Mesmo antes de chegar a La Laguna de Castilla, o sol presenteou-me com mais um dos seus espectáculos naturais, ao incidir sobre as nuvens que corriam pelo topo bastante próximo do monte. Um daqueles momentos que duram apenas alguns segundos. Todas as nuvens adquiriram instantâneamente um tom vermelho-róseo. Parei maravilhado, e sabia que aquela cor iria durar apenas breves segundos, voltando tudo ao normal momentos depois. Praticamente corri para alcançar um ponto mais alto, favorável para uma foto. Mais uma vez, nenhuma foto iria captar o que via. A paisagem era magnífica. Continuei.
O Cebreiro deveria estar perto. Passei apenas por uma peregrina, também solitária. Não se via ninguém. Depois de La Laguna, continuei a subir por uma estrada de alcatrão. O meu guia não me indicava nenhuma estrada até ao O Cebreiro. Perguntei-me se estaria a ir no caminho certo. Ninguém me seguia. Teria-me enganado à saída de La Laguna? Mesmo na saída do pueblo um cão colocou-se numa posição mais elevada, junto a uma fonte e não me parava de ladrar. Não baixei a guarda devido ao cão, e poderia-me ter enganado aí. Lembro-me de uma estrada que passava por trás do cão. Raios. Olhei para La Laguna de Castilla, agora lá em baixo. Nunca me agradava a ideia de voltar para trás no caminho. Continuei a subir.
Cheguei à altitude por onde as nuvens passavam, tocando no monte. Entrei nas nuvens. Taparam o sol e limitaram o raio de visão a poucos metros.
Cheguei a um cruzamento. Não havia nenhum sinal! Com as nuvens que passavam por mim, via apenas um cruzamento. Tinha três alternativas. Coloquei a mochila no chão e tirei o guia. Não mencionava nada sobre aquilo. Referia uma marca que anunciava a entrada na Galiza que não estava ali. Teria-me mesmo enganado? Sob a névoa, reparei que no chão se encontrava uma pequena seta rosa a apontar para o caminho que seguia na direcção do sol. Seta rosa... seria uma falsa? Na direcção do sol?! Não iria contra o meu instinto. Segui em frente, na direcção oposta. Encontrei uma seta branca a apontar nessa direcção com a indicação "Top?". O quê?! Seria para o topo do monte, ou seria de um peregrino com a mesma dúvida que eu? Continuei em frente. Novamente uma seta rosa a apontar para trás, na direcção da primeira. Raios. Já eram duas. Voltei para trás. Caminhei um pouco pela nova estrada, na direcção do sol, um pouco desconfiado. Uma nova seta rosa a apontar para uma subida. Segui-a. Subi uns 200 metros até chegar a uma antena. Procurava por pistas no chão, na terra. Ao fim de 24 dias no Camino, tinha treinado razoavelmente a minha vista para seguir pistas de peregrinos na terra. Não encontrava nenhuma pegada. Encontrei uma marca de bastão! O furo inconfundível na terra, espaçado de poucos metros. Estupidamente, confortei-me com isso. Cheguei a uns edifícios no topo, cujas letras numa das paredes diziam "Estação retransmissora de TV de O Cebreiro". Nada. Ninguém. O nevoeiro, lá em baixo, dissipou-se, e vi que a poucos metros à frente do cruzamento onde tinha estado, se encontravam uns edifícios. Começou a crescer uma raiva dentro de mim. Gritei por alguém nos edifícios da estação. Ninguém. Percorri o cume até ao outro lado do monte. Estava no ponto mais alto e vi todo o outro lado do vale. Existia um outro pueblo lá em baixo, mas estava a uma altitude muito baixa para ser O Cebreiro. Voltei para trás. Estava furioso! Desci os 200 metros quase a correr.
Seria aquela povoação O Cebreiro? Ou estaria ainda bastante longe, tendo-me enganado em La Laguna? Os joelhos doíam devido à velocidade com que retornava e descia. Não sei quanto tempo demorei com o engano, mas foi mais de uma hora certamente. Provavelmente ainda teria que voltar para trás para Laguna. Entrei no primeiro edifício que encontrei. Um ciclista encontrava-se na entrada com uma garrafa de água vazia nas mãos. Fui bruto:
Seria aquela povoação O Cebreiro? Ou estaria ainda bastante longe, tendo-me enganado em La Laguna? Os joelhos doíam devido à velocidade com que retornava e descia. Não sei quanto tempo demorei com o engano, mas foi mais de uma hora certamente. Provavelmente ainda teria que voltar para trás para Laguna. Entrei no primeiro edifício que encontrei. Um ciclista encontrava-se na entrada com uma garrafa de água vazia nas mãos. Fui bruto:
"Como se llama este pueblo?"
"What?"
"What's the name of this place?"
"O Cebreiro."
Haaaa alívio. E ao mesmo tempo raiva. Uma raiva enorme. Tinha vontade de chegar a um dos precipícios mais próximos e gritar tudo para fora, o mais alto possível, até ficar sem fôlego e cair no chão. Mas a beleza de O Cebreiro aliviou um pouco a tensão. A música Celta que saía de algumas lojas de artesanato quase que apaziguaram tudo. Encontrei alguns peregrinos conhecidos. Desabafei tudo com eles. Já me sentia melhor. Uns quilómetros depois, soube que alguns brasileiros também cometeram o mesmo erro. Certamente mais pessoas seguiram as setas falsas. Quem fez aquilo, deveria ser obrigado a fazer o Camino para perceber bem o que fizera. O Cebreiro é mesmo belo, e fez-me desejar ter terminado ali uma etapa.
Entrei num café onde encontrei o grupo de Belgas que tinha conhecido em La Faba. Fiquei fascinado a ouvir a dona do café falar. Era Galego. Era Espanhol, mas com uma entoação e semelhança na emoção das palavras incrivelmente parecido com o Português. Já não ouvia Português há tanto tempo! Fiquei a saber que o Galego dali é diferente do Galego falado mais no litoral e em Santiago de Compostela. Segui com o grupo de Belgas para Liñares.
Ao chegar a Liñares, parei para um bocadillo e fiquei na conversa com um inglês e uma alemã. Foi quando olhei para o relógio. Nem queria acreditar quanto me tinha atrasado! Já eram 13:00 e ainda me faltavam quase 20km! Como me pude atrasar tanto?! Parti e acelerei o passo.
Em O Cebreiro, perguntei e procurei pelo monumento ao peregrino que se encontrava na capa do meu guia. Disseram-me que se encontrava perto da igreja, mas nunca o encontrei. Alguns quilómetros depois de Liñares, num sítio com o meu nome, encontrei-o. Não se encontrava em O Cebreiro, tal como indicado.
Tinha-me atrasado bastante. Não parava. Em Hospital da Condesa parei num bar para me reabastecer de água. Quando segui caminho, atrás do bar, encontrei uma fonte. As fontes eram cada vez mais raras no Camino.
Não parei em Padornelo. Depois de uma escalada inesperada para o Alto do Poio, quando já nos encontramos a arfar novamente, encontra-se abruptamente um oásis. Um café! Tive que parar para descansar. Conversei um pouco com o brasileiro que também se tinha perdido na subida de O Cebreiro, tal como eu. Quando estava na conversa com o Brasileiro, vi a Julia passar. Estranho. Ela deveria de estar uns 15 a 20 quilómetros atrás. O que estava ali a fazer? Quando me viu apenas sorriu e disse quase sem fôlego depois da subida para o Alto do Poio, "can't stop". Era normal no Camino. Por vezes, não se podia mesmo parar. Ainda não sabia que ali já estava determinada a chegar também a Finisterra.
Em O Cebreiro, perguntei e procurei pelo monumento ao peregrino que se encontrava na capa do meu guia. Disseram-me que se encontrava perto da igreja, mas nunca o encontrei. Alguns quilómetros depois de Liñares, num sítio com o meu nome, encontrei-o. Não se encontrava em O Cebreiro, tal como indicado.
Tinha-me atrasado bastante. Não parava. Em Hospital da Condesa parei num bar para me reabastecer de água. Quando segui caminho, atrás do bar, encontrei uma fonte. As fontes eram cada vez mais raras no Camino.
Não parei em Padornelo. Depois de uma escalada inesperada para o Alto do Poio, quando já nos encontramos a arfar novamente, encontra-se abruptamente um oásis. Um café! Tive que parar para descansar. Conversei um pouco com o brasileiro que também se tinha perdido na subida de O Cebreiro, tal como eu. Quando estava na conversa com o Brasileiro, vi a Julia passar. Estranho. Ela deveria de estar uns 15 a 20 quilómetros atrás. O que estava ali a fazer? Quando me viu apenas sorriu e disse quase sem fôlego depois da subida para o Alto do Poio, "can't stop". Era normal no Camino. Por vezes, não se podia mesmo parar. Ainda não sabia que ali já estava determinada a chegar também a Finisterra.
Segui em frente. Acelerei ainda mais o passo. Passei de 12km em 3 horas, para duas. Era o meu ponto de referência. O passo de chegar a um objectivo sem pausas. Tinha-o marcado desde El Burgo Ranero a Reliegos, uma distância de 12km, e fora-o comprovando-o e refinando-o depois disso. Em passo de "nem depressa, nem devagar", mas sem pausas, demorava 3 horas para percorrer 12km. Em passo apressado, mas não muito de modo a não me lesionar, demorava 2 horas para os mesmos 12km. Passei nesse passo por Fonfria. Muitos iriam ficar ali. Soube mais tarde que o albergue enchera rapidamente e a maioria teve que continuar. Fiquei satisfeito por não ter que ficar em Fonfria, pois não vi ali nada de interessante.
Passei por Biduedo. Tinha que comer qualquer coisa. Estava o dia todo só com um bocadillo. Parei um pouco. Já não faltava muito. Um dos músculos da parte da frente do pé tinha começado a acusar sinais de dor. Ignorei estupidamente. A uns 100 metros depois de Biduedo, parei para finalmente guardar o casaco, pois o calor surgira de novo, e assim que dei o primeiro passo, dei um grito de dor. Nem queria acreditar. Estava a 6km de Triacastela, tinha literalmente à minha frente uma descida de 500 metros até lá, e estava a coxear.
Cada passo era um grito. Tive que começar a caminhar em passos de bebé. Demorei 1 hora para avançar talvez 1km. Assim não ia dar. Tomei um "Voltaren Rápido". Minutos depois, a dor melhorou um pouco. Caminhava a coxear com dor, mas um pouco mais rápido do que passos de bebé. Cheguei a Ramil. Estava quase lá. Um homem que se encontrava na beira da estrada a atar cebolas, meteu conversa comigo. O albergue municipal era o primeiro e ficava a três minutos dali. Sim!
Cada passo era um grito. Tive que começar a caminhar em passos de bebé. Demorei 1 hora para avançar talvez 1km. Assim não ia dar. Tomei um "Voltaren Rápido". Minutos depois, a dor melhorou um pouco. Caminhava a coxear com dor, mas um pouco mais rápido do que passos de bebé. Cheguei a Ramil. Estava quase lá. Um homem que se encontrava na beira da estrada a atar cebolas, meteu conversa comigo. O albergue municipal era o primeiro e ficava a três minutos dali. Sim!
Cheguei finalmente ao albergue. Era já muito tarde. Felizmente a maioria dos alemães prefere albergues privados a municipais. Apesar de os municipais serem na esmagadora maioria das vezes muito superiores aos privados. Não era excepção com o de Triacastela. O albergue possuía um espaço relvado enorme. Boas condições. Quartos de apenas 4 camas.
Encontrei a Ana, a brasileira. Continuava a fazer percursos de autocarro. A mãe dela tinha-se enganado e fora de autocarro até Sarria. Tinha conhecido um espanhol em que tinham ficado bem íntimos. A Ema também ficou no albergue. Tinha-a visto a passar por La Faba, com bastante dificuldade na subida, mas não parou aí. Descansámos um pouco na relva aos últimos raios de sol do dia. Ela a fazer ioga, e eu a absorver no tendão que ainda doía, o creme anti-inflamatório que ela me deu.
Fui jantar a um restaurante onde bebi um dos piores vinhos do Camino! Arggg. Não foi o pior porque existiu Olveiroa... lá chegaremos. Mas no dia seguinte ainda sentia o gosto do vinho na boca. Blarrggg.
No albergue, juntei-me a uma mesa bem acolhedora numa pequena sala de estar, onde alguns terminavam o seu jantar. Encontrava-se o Francês, o que conseguia percorria 60km num só dia, uma "hippie" de Barcelona, e um casal de Romenos que já me acompanhavam desde... talvez Carrión de los Condes. Pensava que eram espanhóis, mas fiquei a saber naquela noite que eram da Roménia. Eles eram o que nós por cá chamamos de "chungas"! Pareciam dois agarrados. Magros. Todos chupadinhos. Sem dentes ou a maioria deles. Cabelos compridos. Aparentavam ter entre 30 a 40 anos, mas a pele e o aspecto eram de 70 anos. Sempre com roupas com padrões super-coloridos. Acho que conseguem imaginar o porquê de ter utilizado a palavra "chunga". No entanto, mais uma vez, o aspecto engana muito no Camino. A conversa com eles foi bastante interessante. Mais uma vez encontrei outros peregrinos que praticavam qualquer outra prática espiritual no seu país. Falavam de curas para a mente, em estar em harmonia. Iniciaram também uma conversa sobre um tema que achei curioso, que foi o de poder viver e fazer o Camino com apenas aquilo que o Camino dava. Foi interessante. Deitei-me às 22:00, um pouco exausto e ainda com o tendão dorido.
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