domingo, 20 de janeiro de 2008

Dia 28: Portomarín - Palas de Rei

Acordei às 6:45. Tarde! Dormi tanto. Mesmo assim, consegui sair do albergue às 7:30. Cedo demais. Ainda era noite. Raios. Tinha que acertar com os horários. Queria atravessar a passadeira sobre o "embalse" de Belesar com alguma luz para desfrutar do local. Não deixou de ser formidável ainda de noite. O dia nasceu novamente cinzento, ameaçando chover.

Amanhecer cinzento

Parei em Gonzar para o pequeno-almoço. O segundo, como sempre. Quando terminei, começou a chover. Apanhei chuva durante uma boa parte do caminho. Chovia torrencialmente. Abrigava-me debaixo das árvores quando a chuva caía com mais violência. Por vezes não era possível. Penso que foi em Ventas de Narón que tive que parar num café. As minhas calças estavam completamente encharcadas. A t-shirt também. Temi pela máquina fotográfica, mas felizmente o interior da bolsa parecia ser impermeável. O exterior estava completamente encharcado. Conheci no café a Jasmine. Nunca a tinha visto no caminho, nem ela a mim. Jasmine partira do Camino Aragonês, de Somport. O caminho junta-se ao Francês em Puente la Reina. Desde aí que andávamos sempre par a par, mas nunca nos tínhamos encontrado. Jasmine era Alemã, mas os pais eram croatas, pelo que o seu nome era Croata. A chuva não abrandava. Segui mesmo assim.


Durante a chuva só arrisquei esta foto, e mesmo assim a máquina apanhou água. O peregrino disse-me "Uau! Thank you". Ah... ah... :D

A chegar a Os Lameiros, finalmente parou de chover. Via-se o céu azul à distância, a Oeste. O sol brilhou novamente ao fim de dois dias. Seria o meu último dia de chuva no Camino. Parei em Ligonde para descansar um pouco com uma Coca-Cola.

Dentro da Galiza, o Camino é sinalizado por marcos, praticamente de quilómetro a quilómetro, com a indicação de quantos quilómetros faltam até Santiago de Compostela. Havia alguma discussão sobre se haveria o marco do quilómetro 69 ou não. Bem... aqui está ele. Um pouco vandalizado e tal, mas está lá. Curiosamente é o único marco do camino vandalizado.

Depois de passar por Brea, vi dois peregrinos espanhóis sentados nos degraus de um edifício novo fora da estrada. Na fachada do edifício podia-se ler "Albergue Municipal". Estaria já em Palas de Rei?! Mas... ali não havia quase nada. Onde estava a vila de Palas? Mais à frente vi um albergue privado onde estavam duas peregrinas brasileiras. Elas confirmaram-me que estava mesmo em Palas de Rei. Mas ali não iria ficar. Juntamente com um alemão, continuámos em frente.

Brea

A cerca de 1 km ou mais, encontrámos a vila. Havia mais um albergue municipal, mesmo no centro. Eu e o alemão, falhámos por completo o albergue. Perguntei a duas alemãs onde era o albergue e guiaram-me 1 km para fora de Palas de Rei. Raios. Perguntei a um habitante local onde era o albergue, e em vez de me indicar onde era, foi comigo e com o alemão levar-nos à porta!

Camino

Depois do duche e de comer algo, a tradicional volta pela vila. Foi uma grande surpresa ter encontrado novamente o David, o TGV! Já não o via há imensos dias. Continuava em grande forma, como sempre. Disse-me que encontrara a Viviane bastante atrás no Camino, e que caminhava agora na companhia de outro brasileiro. Pelos vistos a Viviane continuava com algumas dificuldades.

Fui beber um copo de vinho numa esplanada enquanto esperava para usar a Internet. Quando ficou livre, encontrei junto ao teclado uma carteira. Continha dois cartões de crédito e cerca de 200€ em dinheiro. Aquilo deveria ser o pesadelo de qualquer peregrino, perder a carteira. Perguntei a todos de quem era. Vi o nome num dos cartões, Michelle. O grupo de Belgas disse-me que o homem estava com eles no quarto do albergue privado, pelo que lhes dei a carteira. Mais tarde Michelle agradeceu-me profundamente por a ter encontrado e devolvido. Era a segunda vez nesse dia. Horas antes, em Gonzar, encontrara uma máquina fotográfica no WC do café. Mantive-a comigo, perguntando de quem era, até ver uma peregrina alemã a correr apressadamente para trás no Camino.

Palas de Rei

Quando passeava mais um pouco pela vila, um coreano meteu conversa comigo. Já desde Sarria que o encontrava. Ainda falámos um pouco sobre diversas coisas. Estava bastante curioso porque encontrava tantos coreanos no Camino e perguntei-lhe. Disse-me que desde que partira de Saint Jean Pied-de-Port, já tinha encontrado 18 coreanos. Nesse momento apareceu um segundo coreano. Fizeram uma vénia, apertaram mãos, e trocaram algumas palavras em Coreano até o segundo coreano ir-se embora. Nisto, vira-se para mim e diz "19". Mas eram tantos porquê?! Ele tinha encontrado 19 Coreanos, e eu, ainda nem um Português, com o país ali mesmo ao lado. Ele perguntou-me se eu conhecia o livro do Paulo Coelho... ok, não foi preciso mais explicações. Pelos vistos O Diário de um Mago era bastante conhecido na Coreia do Sul, e o Paulo Coelho bastante célebre por lá. O segundo coreano regressou momentos depois com três gelados na mão. Ofereceu-me um. Depois do vinho, devo dizer que não era o que mais me apetecia, e caiu-me um pouco mal, mas não podia recusar.

Encontrei novamente a Ema. Arrastou-me para uma esplanada para beber algo. Estava com uma venezuelana que trabalhava em Barcelona. No caminho para a esplanada falaram com um homem já de idade, com enormes óculos circulares. As suas mãos estavam cobertas aqui e ali com tinta amarela. Não era um amarelo qualquer. Reconheci-o logo. Era um dos muito voluntário que ajudavam a manter o Camino. Desde há muitos anos que ajudava a manter as setas amarelas naquela parte do Camino. Pelos vistos era uma personagem algo famosa, pois aparecera num documentário alemão sobre o Camino, e muitos o reconheciam. A Venezuelana mostrou-me orgulhosa a foto que tirara algumas horas antes, a pintar uma seta amarela.

Fui jantar já tarde, às 20:00, tendo quase que abandonar a mesa da Ema à força, pois para ela jantar àquela hora era de "horários estrangeiros". Jantei no restaurante ao lado do albergue. Magnífica refeição! Conheci a Gordana, uma peregrina finlandesa com um sotaque Inglês perfeito! Estivemos umas duas horas na conversa. Perguntei-lhe curioso, como conseguira ela aquele sotaque, quando me respondeu que o fez para mudar, pois anteriormente tinha um sotaque americano perfeito, mas não gostava de soar a americana. Raios... quem me dera a mim poder mudar assim o sotaque Inglês. O meu era... bem, não falo mal Inglês, e os ingleses no camino faziam subir sempre o meu ego ao elogiar o meu bom inglês, mas tinha sempre aquele sotaque Português lá no meio.

Deitei-me quase às 23:00. Os albergues na Galiza não tinham horários rigorosos. Tinham apenas o do silêncio. No entanto, todos os albergues eram mantidos por funcionários municipais, pagos, e não por voluntários. Todos funcionavam na base do donativo e nunca num preço fixo. Também quase nenhum deles tinha Internet. De dia para dia, sentia cada vez menor a distância para Santiago. Estava quase ali, ao virar da esquina.

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