domingo, 20 de janeiro de 2008

Dia 27: Sarria - Portomarín

Acordei às 6:00. A dor do tendão foi diminuindo durante a noite, e agora estava apenas dormente. Disseram-me a terrível frase pela manhã, sussurrada quase em cadeia por todo o albergue. "It's rainning". Não! No dia anterior, em Samos, tinha apanhado o boletim meteorológico na televisão do café. Tinham previsto chuva para este dia e no dia seguinte, ainda mais chuva e trovoada. Preferia não saber essas coisas. Vesti a capa da chuva. Ainda fiz tempo no albergue, mas mesmo assim, às 7:00 já estava a caminhar. Cedo demais.

Dia cinzento

A chuva caía agora com menos intensidade. De facto, se tivesse saído às 8:00 do albergue, não teria apanhado chuva nenhuma nesse dia. Ainda demorou a clarear. Às 8:15 ainda era de noite. Fiz uma enorme subida à saída de Sarria. Um italiano mais velho, de cabelos totalmente brancos, que falava com todos os peregrinos com aquele inglês com sotaque italiano cerrado, caminhava ao meu lado. Ocasionalmente, a sua lanterna mais poderosa que a minha amostra de lanterna, iluminava o caminho. Sob as árvores, a noite era completamente cerrada.

Sinal vermelho. Temos que parar, esperando que a manada acabe a sua travessia

O dia nasceu cinzento, ameaçando chover a qualquer momento. Guardei a capa da chuva. Pelo menos, o frio da manhã pareceu ter diminuído com a chuva que caíra. Tinha contado as povoações que iria encontrar nesse dia até Portomarín. Eram 23 no total! O normal no Camino seria uma média de 4 povoações por etapa, mas desde León que o número subira. Parei em Rente para um bocadilho.

Pequenos muros de pedra faziam as divisões dos terrenos

O caminho desde aí, é fantástico. Sempre ladeado por muros de pedra, com a vista para imensos muros a dividir terrenos verdes. Imensas árvores. Os pueblos surgiam ocasionalmente, com as suas casas de pedra. Lindo mesmo. Parei em Mercadoiro, numa casa convertida em bar com uma esplanada com música ambiente. Descansei um pouco com uma coca-cola ao som de Moby, Hooverphonic e Sarah Brightman.

Camino

Camino

Camino

Sem excepção, todo o caminho para Portomarín é muito agradável. Os últimos 10 km são a descer. O tendão começou a doer nos últimos 4 km. Coxeava ligeiramente. Estava curioso em conhecer Portomarín. Com a sua enorme extensão de água, parecia destoar drasticamente do restante Camino.

Portomarín à distância

A entrada de Portomarín é magnífica, pela ponte. Não sei porque adorei Portomarín. Outros peregrinos não partilhavam do meu entusiasmo. Adorei a vasta extensão de água do lago de Belesar. Talvez já estivesse com saudades de "ver água". Iniciei a subida para Portomarín pela escadaria da Capela das Nieves.

Entrada de Portomarín pela ponte

Em ambas as margens do rio, consegue-se ver os alicerces das casas do antigo Portomarín.

Entrada pela Capela das Nieves

Capela das Nieves

Vista da capela para a ponte

Não havia ainda muitos peregrinos no albergue municipal. Uma hora depois, chegou a Angela e a Marie. Falei pela primeira vez com a Marie. Foi quando me disse, um pouco na brincadeira, que a culpa da Julia não estar ali era minha. Também me disse que a Julia esperava encontrar-me no Camino até Finisterra. Ela tinha-me conhecido nos percursos em que andava a recuperar distâncias. Não iria caminhar assim tanto por dia. A Julia estava a ter alguns problemas em caminhar sozinha, como um pouco de medo por caminhar de madrugada, de noite.

Fui conhecer a vila. Adorei Portomarín. Resolvi actualizar o meu diário num café com enormes janelas com vista para a praça Mayor, quando começou a chover. Era muito acolhedor. Música calma no café.

Abrigado da chuva

Quando saí, comprei a única recordação, se é que assim se pode chamar, do Camino. Uma t-shirt. Existem imensas lojas com bugigangas do Camino ao longo dele. Elas intensificam-se à medida que nos aproximamos de Santiago de Compostela. Todas elas vendem quase sempre as mesmas coisas. Bastões, vieiras com a cruz de Santiago, cabaças de vinho, t-shirts, pins, porcelana, bonecos em barro, porta-chaves, bijutaria, azulejos, tudo o que conseguirem colocar algo do Camino. Os que compravam mais essas coisas eram os não-peregrinos. Os peregrinos escolhiam quase sempre por comprar uma t-shirt, pois era leve para transportar e era útil também.

Portomarín

Resolvi procurar por um restaurante com vista panorâmica. Portomarín situava-se numa das encostas do rio. Tinha que haver algum restaurante com vista para ele. Comecei pela parte mais alta da vila. Nada. Corri tudo. Finalmente, encontrei um na parte mais baixa. O restaurante tinha o nome de "O Miradouro", e tinha uma vista magnífica sobre o lago.

Vista das janelas d'O Miradouro

Não queria jantar só. Fui até ao albergue para ver se encontrava alguém. Um Coreano, em conversa, fez entender que já jantava em algum sítio... mas não me apetecia jantar com alguém totalmente novo. Não encontrei ninguém conhecido. De dia para dia andava a perder todas as caras conhecidas no Camino. Encontrei a Angela e a Marie, que já tinham jantado. Raios. Voltei só para o restaurante. Iria desfrutar da vista a sós. E de facto, ver o anoitecer sobre o lago é lindo! No final do jantar encontrei a Ema numa das esplanadas da arcada junto à praça Mayor. Sentei-me um pouco na mesa dela e estivemos na conversa até às 22:00. Ela não estava com pressa, pois estava no tal "camino alternativo". Ainda ia jantar e tinha ficado num quarto d'O Miradouro. Eu tinha que me ir deitar. A contagem decrescente para Santiago de Compostela tinha começado. Neste dia, tinha passado pelo marco que sinalizava os 100km até Compostela. Já estava próximo, muito próximo, e já começava a sentir uma certa tristeza por estar perto do fim.

1 comentário:

Graça Lourenço disse...

Excelente blog. Parabéns. Também sou fã de Santiago e dos seus caminhos. Comecei depois deme aposentar. Três anos seguidos pelo Caminho Português. Este ano, se Santiago quiser, irei fazer o inglês. Para o ano, quem sabe, o de Finisterra e como diz a canção "até que doa", vou continuar. Adorei as fotos e mais curiosa e entusiasmada fiquei. Vou recomendar o teu blog no meu. Ultreya!!