quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Ameaças

Quando me decidi a fazer o Caminho, nunca pensei que pudessem existir ameaças pendentes à possibilidade de não o fazer. E de facto, embora sempre as tenha visto como ameaças, hoje decidi vê-las como possíveis desculpas de um espírito fraco. Tentativas frustradas de um qualquer inimigo invisível. Um teste à força de vontade, em que se falhasse agora, no início, seria capaz de muito menos ou nada no futuro. Pedras no Caminho. E pedras realmente o poderão ser...

A primeira foi a ambição.
A segunda foi o medo.
A terceira foi o desânimo.
A quarta foi a fraqueza.

Deixem-me cortar-vos a história resumida de cada uma delas.

O mais difícil já o tinha conseguido. Provavelmente o maior de todos os obstáculos, o de conseguir marcar cinco semanas de férias seguidas. Trabalhando onde trabalho, digo-vos que não é fácil. Consegui-o através de uma conjunção de factores raros e únicos.

Então veio a ambição. Um telefonema de uma das melhores empresas do seu ramo em Portugal, a indicar-me que estavam interessados no meu currículo, e que queriam analisar um mais actualizado para uma candidatura a uma vaga que tinha aberto recentemente. Seria o fim do Caminho se fosse seleccionado e aceitasse. Adeus férias. Adeus Caminho... Olá carta a informar que das candidaturas analisadas tinham encontrado uma melhor do que a minha. Salvo! Ou não. Tenho mesmo que terminar o curso para ficar com estes empregos. Mas a ameaça passou.

Veio então o medo. A notícia no emprego de que o meu departamento iria ser extinto em Portugal, e iríamos iniciar a transição de todos os projectos para fora em... Setembro. Juntamente com complicações à última da hora de um novo projecto não planeado com início e fim em... Setembro. Que provavelmente iria ser integrado num outro departamento em... Setembro. Começaram a aparecer pedidos para indicarmos as férias em folhas de planeamento. As palavras "férias" e "Setembro" começaram a aparecer demasiadas vezes indirectamente nas reuniões, tais como as palavras "flexível" e "fazer os possíveis". O medo... Qual medo? O medo da instabilidade de perder o emprego perante as minhas acções, pois não vou cancelar nem um dia em Setembro. Sinceramente, agora, já nem medo é. Não estou minimamente preocupado, pois estou livre de toda e qualquer responsabilidade, à custa da causa da terceira ameaça...

O desânimo. Este pode abalar mesmo as posições mais fortes. Por vezes surge, ou tenta crescer. As separações nunca são fáceis. A minha foi em duas fases, e a última, há um mês atrás, foi o pior dia da minha vida. Embora já estivesse decidido há muito, e fosse a única solução possível, os degraus em falso por vezes levam-me lá abaixo, por um curto espaço de tempo. A solução, foi colocar o máximo de coisas na minha vida. Comecei logo por uma curiosa, o Caminho. E continuo, com o máximo de coisas que possa encontrar. Um novo amigo, um passeio, um livro, uma conversa, um objectivo, uma ideia. Qualquer coisa serve.

A quarta veio quase de mão dada com a terceira, mas teve o efeito contrário ao esperado. Há dois dias atrás entrei nas urgências do Hospital de Santa Maria, vindo de ambulância. Nunca tive nenhum problema grave de saúde, e era a primeira vez que estava naquela situação. As dores eram insuportáveis. Não conseguia andar, nem estar sentado, nem deitado, nem em posição nenhuma. Após uma manhã típica no Hospital, um médico esclareceu-me no final da manhã que tinha tido uma cólica renal. Raios! Amanhã vou fazer uma ecografia e análises para ver se tenho realmente pedra no rim. Pedras no caminho, ah pois. Hoje tive outra crise. Tive que sair a correr do trabalho para uma farmácia para comprar os comprimidos de S.O.S. que o meu médico de família receitou. Já foram duas vezes numa semana. Abalou-me muito... Uma pessoas nesta situação sente-se fraca e vulnerável, e tende a imaginar como seria se estivesse fora de casa, num outro país, sem amigos ou família... Mas não. Estou mais do que decidido a fazer o caminho, mesmo nestas condições, sejam elas o que forem, pois ainda nem sei bem o que é. Só tenho que aprender a dizer em Castelhano "cólica renal" pelo sim, pelo não. "Cuólicazita rénal"? Ahhh esta foi a gota de água! Andamos a brincar?! VOU FAZER O CAMINHO. Será pedir muito?! Venham mais pedras! Bem... no rim não, ein?

1 comentário:

Lia Ribas disse...

Vejo que tens alimentado bem a ideia do Caminho. Congratulo-te pela for�a de vontade, pelo �nimo... Tenho a certeza de que o teu barco chegar� a bom porto. N�o sei como � o tempo em Setembro pelas terras de Cosmpostela. Eu fiz-me � estrada em pleno Inverno e apanhei alguns dias t�rridos e insuportavelmente quentes. Tamb�m tive neve e dias amenos. Crei que tu, como eu, ter�s um pouco de tudo. Dizem que nas altas montanhas dos Pirin�us pode nevar durante todo o ano. Tem cuidado com isso: a cordilheira que separa a Pen�nsula Ib�rica da Fran�a � matreira como uma raposa crescida. Se houver algum ind�cio de neve tenta n�o fazer a travessia sozinho. O problema � que a neve esconde as indica�es do Caminho e a probabilidade de te perderes aumenta, ainda mais quando se trata da primeira etapa e ainda n�o tens a intui�o do Caminho agu�ada.

Eu sa� de Saint Jean Pied de Port numa segunda-feira pela manh�. O Sol brilhava e, apesar de ser Inverno, fazia um calor dos diabos. Mas l� em cima, no ponto mais alto da montanha, pude sentir o h�lito gelado daquela terra �rida. Havia neve fresca nas bordas das colinas, embora n�o nevasse e o c�u estivesse limpo. Fazia um frio de rachar, isso sim! Tudo isso � compensado por uma sensa�o de grandeza que se transfere da paisagem abrangente dos montes encavalitados uns nos outros para o nosso cora�o. E avistar Roncesvalles l� no fundo, a tr�s quil�metros de altura aproxima-te de um pequeno deus acabado de nascer. Se puderes, se quiseres, grita bem alto e sente a tua voz a ser devolvida pelo calor escondido das montanhas.

Desculpa se utlimamente n�o respondi prontamente �s tua mensagens. Aindei demasiadamente envolvida nos meus dramas pessoais: acabei o curso e finalmente deixei o emprego. No pr�ximo ano lectivo, come�o a trabalhar como estagi�ria numa escola. O est�gio n�o � remunerado, mas o meu cora�o est� j� a receber a recompensa que eu julgo merecida. Ainda que sem dinheiro, sinto-me feliz como um passarinho em liberdade.

Perseguir o sol durante cinco semana, deu-me esta for�a. Tu vais senti-la tamb�m. Vais com toda a certeza dar-te conta de um momento em que sentes que podes tudo, que nada te derruba. Ainda que n�o seja totalmente verdade, isso vai dar-te alento para continuares a perseguir os teus obst�culos pessoais olhando em frente e sem hesita�es.

Antes que tu possas pisar o solo do Caminho, eu j� terei feito Santiago de Compostela - Finisterra, a ver se ponho, enfim, um ponto final a esta sensa�o de que n�o conduzi os meus passos at� � meta final. Se puderes, faz o mesmo!

Abra�o do tamanho dos Pirin�us,

com carinho,

Li