Já andava há bastante tempo para colocar a última entrada neste Blog. Chegou o fim. Relatei todos os dias do meu Camino. Tudo o que é possível partilhar. Ficou imenso por dizer. A saudade já é grande. Já anseio novamente pelo ar do Camino. Pelas pessoas do Camino. Até a um novo regresso.
terça-feira, 10 de junho de 2008
Recordações do Camino (II)
Partilho dois vídeos do Miro, o trovador del Camino que tive o previlégio de conhecer pessoalmente. No primeiro, a sua música emblemática "Acógenos". No segundo, perdi por poucos minutos aquele momento em Azqueta, pois vinha com a Viviane um pouco atrás.
"Acógenos" en La Plaza Del Obradoiro
Auroros en Azqueta
quinta-feira, 27 de março de 2008
Recordações do Camino
domingo, 23 de março de 2008
D. José María Alonso
Conhecido por todos os milhares de peregrinos que fizeram o Caminho e ficaram em San Juan de Ortega, onde ao longo dos últimos trinta anos celebrava e promovia o convívio com todos aqueles que aceitavam a sua sopa de alho. O padre de San Juan de Ortega faleceu com 81 anos. O Camino ficou mais pobre com a sua grande perda. Descanse em paz.
Tive a sorte de o conhecer em pessoa. Ao aproximar-me de San Juan de Ortega ouvi rumores de que o seu padre estaria doente. Mas nessa noite, ali estava ele, de pé, a fazer questão de ser ele próprio a servir a sopa a cada peregrino.
O Miro enviou-me por e-mail a notícia, juntamente com um link para um vídeo filmado por ele. Aqui fica, à sua memória.
sábado, 15 de março de 2008
Dia 34: Olveiroa - Finisterra
Este será o dia mais complicado de descrever. Por vários motivos. Porque não o tenho no diário. Porque foi um dia longo. E porque é o dia que guardo com mais saudade de todos os dias no Camino. É também o último dia. Ao 34º dia a caminhar, cheguei a Finisterra.
Iniciei o caminho ainda de noite, com o Denis, após comermos algo na cozinha que tínhamos comprado no dia anterior numa loja ambulante que parara na rua do albergue.
Todo o Caminho de Finisterra vale a pena só pelo percurso deste dia. Caminhámos ao longo do "embalse" de Ponte Olveiroa, uma extensão de água, que embora ainda de noite azul escura, dava para apreciar a sua beleza. Passámos por uma ponte branca a caminho de Logoso. Aí, o sol nasceu. Um magnífico nascer do sol. Esperava que o visse também em todo o seu esplendor no final do dia, no oceano, em Finisterra.
Seguimos para Hospital. Apesar de ser fora do Caminho, tínhamos que tomar um pequeno-almoço em condições, e decidimos procurar por um café quando chegámos à localidade. Não encontrámos nenhum. Perguntámos a um habitante que nos indicou um fora da localidade, dentro do percurso do Caminho. Encontrámos. É impossível não dar com ele. Na parte de fora, tem um grande cartaz escrito à mão. Já não me lembro muito bem do texto e da distância exacta, mas é algo como "Peregrino! Próximo café: 15 km". Mesmo quem não tencione parar por lá, fica certamente a pensar duas vezes. O Carlos tinha-nos recomendado os bocadilhos de omoleta dali. Fabulosos! O Denis meteu conversa com uns peregrinos Norte-Americanos que estavam a fazer o Caminho numas bicicletas que se dobravam ao meio para as transportar. Não era normal ver aquelas bicicletas ali no Caminho. Mas fizeram toda a Via de la Plata e seguiam para Muxia naquele dia.
Um pouco mais à frente, encontrava-se a bifurcação no Caminho. Para um lado, Muxia. Para o outro, mais longe, Finisterra.
Iniciámos então a "travessia do deserto" como lhes chamavam. Lembrava-me ainda muito bem da minha verdadeira travessia do deserto em Castilla, e aquilo de deserto tinha muito pouco. A não ser o facto de não passarmos por nenhuma localidade. Ao longo de quase 15km apenas se encontram duas Eremitas. Mas o percurso é belo. Muito verde, muito sereno.
Passado poucos minutos o céu começa a escurecer. Nuvens cinzentas e nevoeiro vieram rapidamente de Este. Ameaçava chover a qualquer momento. Ficámos um pouco preocupados com o nevoeiro, pois iria impedir-nos de ver o pôr-do-sol mais tarde.
Durante esse percurso encontrei o Leo. Coxeava lentamente com enormes dificuldades. Despedimo-nos dele e avançámos com o nosso passo. Uns metros à frente do Leo reparámos num texto escrito com um pau na terra do chão, no meio do caminho. Dizia "Ânimo Leo!". Olhei para trás, para o Leo e apontei para o chão. Tinha sido a Marlene quando passou por ali. Era normal ver aquelas mensagens pelo caminho. A mais original que vira fora a caminho de Los Arcos. Algo como "Juan, são 11:30. Estamos à espera de ti em Los Arcos a beber uma caña. Haha!".
Mais à frente encontrámos uma placa que indicava um pequeno desvio para o "Alto do Crucero da Armada". Um peregrino Finlandês vinha de lá entusiasmado. "You can see the ocean!". Decidimos ir lá espreitar. É um ponto a não perder. É o primeiro local de onde se consegue ver o oceano e Finisterra à distância. Lá em baixo, encontra-se Corcubión. O vento trazia o cheiro do oceano. Que saudades! De um momento para o outro já não me importava que o tempo estivesse cinzento. Estava a adorar o caminho. Tinha chegado finalmente ao oceano.
Regressámos para o caminho e encontrámos novamente o Leo. Disse-lhe que valia a pena ir até à cruz. Eram apenas uns poucos de metros até lá. O Leo olhou na direcção da cruz, como que a tentar ver o que lá se encontrava e hesitou. Conhecia aquela hesitação. Já sabia o que ele iria dizer. Disse que não podia parar. Tinha que continuar em frente. Despedimo-nos novamente do Leo e iniciámos a descida para Corcubión.
Uma encosta magnífica. Ao longo da descida encontrámos três grupos de peregrinos parados a apreciar a vista, aproveitando para petiscar qualquer coisa.
Chegámos à baía de Corcubión. Tínhamos que a contornar para entrar na vila.
Decidimos parar para almoçar num restaurante. Era a primeira vez que o fazíamos propositadamente durante o caminho. Eu já o tinha feito intencionalmente em Itero de la Vega. Entrámos num restaurante e encontrámos sentadas a Jasmine e a Coreana, também a almoçar. Após o almoço, saímos e... surpresa das grandes! O céu estava azul. O sol brilhava no mar. Estava calor. Estava tudo diferente. Era verão novamente.
Decidimos parar para almoçar num restaurante. Era a primeira vez que o fazíamos propositadamente durante o caminho. Eu já o tinha feito intencionalmente em Itero de la Vega. Entrámos num restaurante e encontrámos sentadas a Jasmine e a Coreana, também a almoçar. Após o almoço, saímos e... surpresa das grandes! O céu estava azul. O sol brilhava no mar. Estava calor. Estava tudo diferente. Era verão novamente.
Em vez de contornar o cabo de Corcubión, o caminho atravessava-o a direito, obrigando-nos a subir um pico e a descê-lo até ao outro lado, passando por San Roque. Parecia mais difícil à distância. Foi relativamente fácil e agradável. A presença constante do oceano tornava o caminho muito belo.
Estávamos com a ideia de que do outro lado já se encontrava Finisterra. Quando avistámos a localidade do outro lado, quase que começamos a festejar a chegada a Finisterra, mas... então reparámos na enorme massa de terra à distância, quase esbatida pela distância. Era enorme. Estava longe! Aquilo era o quê? Se Finisterra era o ponto mais a Este, então aquilo teria que ser... Finisterra! Olhámos para o mapa. Estávamos a calcular mal as distâncias. A povoação que estávamos a ver era Sardiñeiro.
Passámos por várias praias onde encontrei novamente e pela última vez o Italiano. Já não o via há imensos dias! Caminhava com um espanhol que não me recordo do nome. Já tinham estado em Finisterra e dirigiam-se agora para trás. Iria ainda para Muxia.
Entrámos em Sardiñeiro. Encontrei no chão uma moeda que começou a andar sempre comigo. A minha moeda da sorte. Uma moeda de 25 pesetas, daquelas que têm um buraco no meio.
Seguimos em direcção a Finisterra. Passámos por uma pequena praia, muito tentadora. Até que finalmente iniciámos a descida para a praia da Langosteira. Num instante estávamos a pisar areia. Disse ao Denis que tinha que fazer algo que não podia deixar passar. Tirei toda a minha roupa, ficando apenas em boxers e entrei na água. Cumpria assim a tradição dos antigos peregrinos quando chegavam ao oceano, na praia da Langosteira. Há quem diga que aquele banho purifica a alma. Não vos consigo descrever a sensação fantástica com que fiquei após ter mergulhado na água. Sentia-me uma nova pessoa.
Tentei encontrar na água alguma vieira para a levar comigo, mas apenas encontrei uma concha grande. Levei-a.
O Denis molhou apenas os pés, ficando na areia. Troquei de roupa, passando para os calções e sandálias. Atei as pesadas botas de caminhada à mochila. Seria a última vez que as tinha usado. Após 1000 quilómetros, a sola junto ao calcanhar encontrava-se totalmente gasta. Foram um grande auxílio no caminho.
Seguimos para Finisterra pelo passeio ao longo da praia. Aquele banho tinha-me restaurado totalmente. Não estava nada cansado.
Entrámos em Finisterra e num largo com uma estátua, que nos pareceu ser o centro de Finisterra, perguntámos onde era o albergue. Uma mulher apontou para um edifício mesmo à nossa frente. Era logo ali, no centro. Estávamos com medo de não conseguir lugar, pois já era tarde, mas ainda haviam bastantes lugares no albergue. A hospitaleira, muito simpática, fez o nosso registo, um pouco diferente de todos os outros, com pedido de mais informações, pois ali iríamos receber um certificado, parecido com a Compostelana, de que tínhamos chegado a pé a Finisterra. O Denis fez primeiro o dele. Quando a hospitaleira me entregava o meu, reparei que o Denis estava a abraçar uma rapariga, como que uma velha conhecida. Olhei melhor... era a Viviane!
A Viviane veio ter comigo e abraçou-me. "O Miro disse-me que vinhas para cá hoje". Já não a esperava encontrar. Naquela altura ela já deveria estar em Itália. A Viviane mudara de ideias e fizera o caminho todo a pé, até Santiago de Compostela. Tinha terminado no dia anterior. Mudou os seus planos e estava ali com o namorado e os seus companheiros de caminho, que conhecera uns dias após a ter deixado. Foi uma surpresa muito agradável. Adorei revê-la. Combinámos encontrar no farol. Ainda tinha que ir tomar banho e comer algo.
Após o banho e uma Estrella Galicia numa esplanada com o Denis, fomos a um minimercado comprar uma garrafa de vinho e copos de plástico. Trazia ao pescoço uma t-shirt de algodão para queimar. Começámos a dirigir-nos para o farol.
Ainda são alguns quilómetros até ao farol. Primeiro por dentro de Finisterra, e depois ao longo da estrada que une Finisterra ao "Faro". A vista é magnífica. O oceano estava com todos os tons de azul.
Ao chegar ao farol, encontrámos o último marco, igual aos que já vínhamos a encontrar desde que entrámos na Galiza, sinalizando os quilómetros que faltavam até ao destino. "0.00Km". Tínhamos chegado. Procurámos pelo caminho que o Miro nos tinha indicado, para as rochas debaixo do farol. Encontrámos. Na entrada encontrava-se três tipos com guitarras e tambores constantemente a tocar melodias que não se podiam apropriar melhor à atmosfera. Deitei com todo o agrado algumas moedas na manta estendida no chão, já cheia de moedas.
Não vos consigo descrever a atmosfera que se fazia sentir ali nas rochas. Foi o melhor momento de todo o caminho. Tão pacífico. Era tudo perfeito. Sentado nas rochas já se encontrava Viviane, o namorado, o companheiro de caminho também brasileiro, o José, o Miro e um outro peregrino brasileiro. Mais tarde chegou a Marlene e o Godoi, um outro peregrino brasileiro, a Jasmine, a Coreana e o peregrino Finlandês.
Celebrámos o momento. Abriram-se garrafas de vinho. O Miro, tinha a sua garrafa de uma bebida poderosa e extremamente agradável. Não me recordo do nome. Qualquer coisa como "ulugo"? Não sei... tenho que lhe perguntar.
O tempo estava incrivelmente agradável. O horizonte estava limpo, como que a preparar-se para o pôr-do-sol. Não consigo descrever o momento com palavras. Várias pessoas que não eram peregrinos estavam já sentadas nas rochas à espera do pôr-do-sol.
Estava na altura do último ritual de Finisterra, queimar a roupa da peregrinação. Todos tinham alguma coisa para queimar. Calças, t-shirts, meias, cuecas, luvas, tudo o que cada um tinha consigo. Alguns, depois de queimar o que tinham trazido, ainda tiraram a roupa interior e meias para queimar mais! A fogueira ao nosso lado, na rocha, era constante.
Aconteceu o tão esperado momento. O sol iria desaparecer sob a água. No final, todos bateram palmas.
Foi muito difícil seleccionar as fotos para este dia. Como devem estar a reparar, são imensas.
O peregrino Finlandês tinha preparado o seu próprio ritual para o final do Caminho. Vinha a caminhar há vários meses desde a sua casa, na Finlândia. Com a ajuda de uma peregrina, cortou o seu cabelo comprido. Logo a seguir, a sua barba. Queimou os cabelos e barba cortados na fogueira.
Ao fim de meses a caminhar, naquele dia, pela primeira vez, estava a doer o joelho ao Finlandês!
O dia estava a ficar escuro. Aguentámos até ao último momento, já depois de o farol estar ligado. Iniciámos a caminhada de regresso a Finisterra, já de noite. Tinha acabado. Já não iria andar mais no dia seguinte. Tinha terminado o caminho. Tinha sido um dia fantástico. Tinha sido um caminho extraordinário.
Em Finisterra jantámos todos num restaurante pela última vez. No dia seguinte cada um iria para um sítio diferente. Eu para Portugal. O Denis iria continuar a caminhar até Muxia. Custou-me bastante no dia seguinte, ao nascer do sol na marina de Finisterra, despedir-me do Denis e dos peregrinos que ainda iriam caminhar até Muxia. Eu não os poderia acompanhar. No dia seguinte teria que estar já no trabalho em Lisboa. Fora o fim do meu caminho de 2007. A saudade, essa, já começa a surgir. Os meus olhos já percorrem novamente o mapa, à procura de outros caminhos. Talvez o do Norte. Talvez novamente o Francês. Talvez o Português. Sei que é certo que irei regressar ao Caminho. Um destes dias.
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